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Crítica - Filmes: Todos Já Sabem




Novelão sim, mas bem feito

 

 por Ronald Lima

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Ashgar Farhadi entre as mentiras e "verdades" da vida


Tendo estreado no Festival de Cannes como o filme de abertura, Todos Já Sabem (2018) é o primeiro filme do diretor iraniano
Penelope Cruz & Javier Bardem:
Equivalentes à Brad Pitt & Angelina Jolie...
Asghar Farhadi fora de sua terra natal, produzido enquanto ele ainda colhia os frutos do premiado O Apartamento (Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2017) - prêmio que acabou não indo receber por conta da polêmica de Donald Trump com diversos países muçulmanos. Aqui, o diretor inseriu-se na cultura latina (representada por espanhóis e argentinos) e retratou-a usando as estruturas do gênero que está acostumado a contar suas histórias: o suspense de um thriller sobre sequestro.

Formalmente a trama é o clássico “mistério do quarto fechado”, um formato tão antigo quanto a própria narrativa policial. Temos um crime aparentemente impossível e um número claro e limitado de suspeitos. Essa estrutura tradicional, no entanto, é apenas o pontapé inicial para um drama familiar sobre segredos guardados e antigos ressentimentos, explorando as fissuras dos laços familiares quando estes ameaçam se romper, revelando novas rachaduras em lugares inesperados - algumas com mais impacto do que outras -, ainda que todas elas sejam apenas alegorias para ilustrar os perigos e consequências da desinformação.  

Arriba! Arriba!

O filme, abusa de uma enorme latinidade, num tom novelesco e meio dramático que se torna convidativo. Inicia-se com a introdução da família espanhola, onde conhecemos todos os parentes da família de Laura (Penélope Cruz, ótima no papel), membros de uma pequena aristocracia local. Após sabermos disso, somos levados para o grande casamento da irmã de Laura, onde se reúnem todas as gerações dessa família numa recepção corrida e expressiva. Entre os felizes convidados, Laura reencontra seu antigo amor Paco (Javier Bardem), que era filho de empregados da família e hoje é dono de uma vinícola que comprou muito barato. Laura está casada com um homem mais velho e rico e se mudou para a Argentina onde criou seus dois filhos. Durante a festa de casamento, ocorre um apagão geral, e a filha de Laura, Irene (Carla Campra), desaparece. Irene é uma adolescente típica com muita disposição a experimentar de tudo, esbanjando vitalidade. 

Irene "Curtindo a vida adoidado"
  
A partir de então, iniciam-se as especulações de todos dentro da casa sobre o que aconteceu com ela, enquanto a mãe desesperada sofre, como uma boa personagem de novela, pelo desaparecimento da filha, tentando a todo custo obter alguma notícia. Outras peças do quebra-cabeça vão sendo dadas aos poucos, principalmente através do policial reformado (o ator José Angel Egido) que é amigo de Fernando (Eduard Fernández), tio da menina.

O marido argentino de Laura, Alejandro (o rei do cinema argentino Ricardo Darín), que surge na segunda metade do filme auxiliando na busca à filha, é tido como um empresário bem sucedido, mas na verdade está falido como toda a Argentina está. Aliás, a questão financeira pesa muito na trama e não só pelo alto valor do resgate exigido, mesmo todos felizes com suas vinículas percebe-se sobriedade no ambiente. Essa tapeçaria de segredos e suspeitas contribui para o clima de suspense por não sabermos, assim como a família, por onde começar a desfiar esse novelo.

É preciso dizer: muito embora o diretor costume flertar com o mistério e já tenha exibido sua aptidão para o intercâmbio cultural,como visto em seu filme francês O Passado (2013), a sua segurança ao pisar sobre terrenos novos surpreende, apresentando um suspense peculiar em praticamente tudo, extraindo mistério de belas paisagens iluminadas por uma intensa e aconchegante luz diurna que deveria esclarecer tantas questões a serem postas à claro. Só que não...

Eles não sabem.

Fahardi adota a praxis da linguagem europeia de cinema. O filme não tem aqueles diálogos expositivos que entregam a trama para o espectador, mas a sugestão dada pelo título é uma peça importante para a instauração do conflito. o diretor constrói a estrutura de uma família de origem aristocrática, ainda abastada e feliz, para desmontá-la aos poucos, levantando questões sobre o real significado da família e dos laços sanguíneos, expondo uma dura realidade inescapável: embora a família não seja sempre o grupo de acolhida perfeito, ela sempre será determinante em nossas vidas, seja pela herança genética ou a psicológica, incluindo os aspectos positivos e negativos que estas heranças implicam.

A ainda estonteante Penélope Cruz funciona como a personagem central e catalisador dos eventos no filme e Bardem é excelente como um típico cultivador de vinícula. Seus momentos com Cruz são os pontos chaves do filme, em seus closes tristes onde muito de seu personagem parece rodar em torno de uma decisão que afeta grande parte da história e que permeia todo o longa, tornando Paco um típico anti-herói do cinema de Farhadi, guiado por sua masculinidade no intuito de salvar o dia, (ainda que destrua a si mesmo no processo...). 

Paco (Javier Bardem)

Complementando isso, o talentoso Ricardo Darín, entra na jogada um pouco mais tarde, mas seu personagem Alejandro, o marido de Laura, é caprichado no mistério e cai como uma luva para o ator, que com seu semblante sério acrescenta mais uma camada de dualidade para o desdobrar da trama. É muito boa a química entre ele e Bardem, representando dois homens que, apesar de terem tudo para entrarem em um embate sem fim, fazem o possível em prol do bem comum. Gente civilizada... 

Laura (Penélope Cruz) e Alejandro (Ricardo Darín)

O filme se revela uma grande panela de pressão que está à segundos de explodir, nos fazendo duvidar de todos os personagens à medida em que novas informações complicam a narrativa. Em um certo ponto deixamos de questionar se esta família pode conseguir resgatar a garota desaparecida, para nos perguntar: por que alguém sequer pensaria em levá-la embora em primeiro lugar, ora bolas!?

Então suspeitamos que qualquer um deles - desde do avô doente, a tia curiosa e até mesmo dos próprios pais - podem estar envolvidos no desaparecimento da garota, criando uma grande paranoia coletiva, num grande e longo retrato psicológico dos membros da família que saem de uma grande festa de casamento para momentos de tensão e tristeza. 
 É verdade, que há um inchaço desnecessário na segunda metade do filme - com os personagens andando em círculos e repetindo as mesmas informações uns para outros, aumentando o tempo de projeção e tirando a força dos conflitos ao prolongá-los - e a estrutura narrativa é tão intrincada que a revelação dos reais culpados soa um tanto forçada fazendo a sua motivação soar frouxa para um crime tão específico (embora que, não exatamente inverossímil...). 

Diferenças...

 Embora não tenha agradado os críticos e o público na França, e alguns meses depois, tenha passando batido no Festival de Toronto, Todos Sabem, mesmo que longo, e um pouco cansativo, traz uma história provocativa que deverá deixar o espectador curioso para descobrir seu desfecho. Aliás, o final é genial por justamente deixar ao público com algumas das respostas ainda no ar. As boas atuações de Cruz e Bardem fazem o “novelão” valer a pena. Este é um eficiente drama familiar que lembra da impossibilidade de guardar segredos. Não deixe de conferir, principalmente se você gosta de um bom drama europeu, com uma boa trama focada em tragédias humanas e indo muito além de um mero suspense policial a ser decifrado.
 

Crítica - Filmes: A Mula


Era para ser apenas um “bico”...

 

Por Ronald Lima 

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Clint Eastwood e o ocaso da mítica América Imperial


Clint Eastwood: A solidão das estradas 
e os fantasmas de um homem 
por suas escolhas.

Protagonizado e dirigido por Clint Eastwood (que também produziu o filme, através de sua produtora, a Malpaso Productions) A Mula (2019) marca o seu retorno como ator após Curvas da Vida (2012) e seguindo-se ao irregular 15:17 - Trem para Paris (2018) traz o eterno “durão” (e mentor de toda uma geração de “durões” do celulóide) enfrentando com galhardia e pitadas de bom humor, o ocaso, a solidão, a fragilidade e a reflexão que o envelhecimento nos traz sobre nossas escolhas na vida. 




"-Despejo?! - Catso, estou F=#@do!!!"

Ícone indiscutível da masculinidade norte-americana pós-segunda guerra, tendo sido nas décadas de 1960,70 e 80 o herói de ação yankee cru, raiz, cowboy e policial na melhor tradição de John Wayne e Humphrey Bogart, mas mantendo raízes no mundo real, aliado à uma grande capacidade de reflexão quanto à seu lugar no mundo, o que lhe permitiu fazer a transição para um grande diretor respeitado e disputado à tapa pelos estúdios, aliando bilheteria e valor autoral. Sua filmografia com altos e baixos reflete sua caminhada de vida, e aqui nesse que deve ser o seu último trabalho como ator e diretor temos uma performance que ao seu jeito resume as várias facetas de todos os personagens que interpretou ao longo de sua carreira de mais de seis décadas. 



"- Tudo OK 'meu tio'???" "- N-Não seu guarda! Tá favorável!"
Logo no início, vemos através de uma bela montagem o perfil de Earl Stone (Clint Eastwood) homem de cerca de 90 anos, e aquele a quem você recorre quando está mal, sendo um indivíduo com um enorme coração e aos amigos, uma pessoa mão aberta, mas em contraste, para a família ele mesmo é um homem distante, frio e que prioriza o trabalho acima de tudo (mas na verdade o que ele queria era ser bem visto pelo núcleo social), o que o afasta gradativamente da sua esposa Mary (a ótima Dianne Wiest) e filha Iris (Alison Eastwood, filha do cineasta na vida real.) revelando que ele era o típico marido e pai de gerações passadas: Ausente, mas que exigia respeito. Posteriormente, ele vê de uma hora para outra seu tão lucrativo negócio de flores ser abalado pelo advento das vendas online, e ir à falência. Assim, de um jardim florido e dono de muitas cores, acontece uma transição impactante (graças ao diretor de fotografia Yves Bélanger) mostrando a passagem de mais de uma década, quando o encontramos num cenário devastado, onde a sua aparência “surrada” no tempo presente reflete seu declínio financeiro e a sua obsessão pelo trabalho, que terminou por torná-lo um homem solitário.




Earl e a ex-esposa Mary (Daiane Wiest).
 Tentativa de resgatar uma união perdida...
Esta dualidade não deixa de refletir um exorcismo dos próprios fantasmas do cineasta, e de muitas pessoas dedicadas a um ofício que amam, mas que se fecham em si mesmas, muitas vezes por uma vaidade camuflada em dedicação. Isolado de todos que ama e sem poder focar no que realmente curte fazer, conta apenas com a confiança de Ginny, sua única neta (Taissa Farmiga), o idoso encontra-se num beco sem saída, cedendo às tentações do caminho mais fácil, quando o abordam para trabalhar como motorista, coisa que ele domina, pois rodou e conhece (quase) todos os estados sem nunca receber uma multa sequer. Earl, de empreendedor falido, se torna a mula ideal para um cartel de drogas mexicano, por ser um típico (e insuspeito) velhinho americano simpático viajando com sua caminhonete pelas estradas. Mais americano que isso, só comercial de cigarros Marlboro... E vai perambulando por uma América cujos vestígios de uma época em que era de fato a “Nação Líder” estão às moscas, abandonadas, porque ninguém mais se importa de cultivar esta memória, deteriorando-se. Eessa América perdida é a estrada de Earl. São estradas secundárias escolhidas propositalmente pelo personagem onde aqui e ali surge um local pitoresco mas já sem atrativo nenhum para as novas gerações. Com certeza essa América corporativa, impessoal, que agora joga fora pessoas e que não fez valer a luta da geração de Clint Eastwood.

"Muito colorido" não???


Embora com um estranhamento inicial, o nonagenário vai levando (embalada pela música de Arturo Sandoval, que incorpora temas de cantores folk como Willie Nelson e outros) o aprendizado da sua vida criminosa sem nenhum peso de consciência, inclusive quando sem motivo algum fica sob suspeita por Julio (Ignacio Serricchio) um “funcionário” do cartel. Assim Earl segue “se encaixando”, revelando um grande jogo de cintura, ao mostrar que além de um florista e bom motorista é um veterano da Guerra da Coreia que sabe encarar o perigo quando o caldo engrossa sem sentir-se intimidado, mostrando a cada situação difícil ser ainda o eterno durão do cinema, proferindo muitas de suas tiradas impagáveis, seja ao olhar o cano de uma arma, seja ao alfinetar o politicamente correto ou ainda na aceitação a um novo mundo que descobre (até mesmo na sua dificuldade com o mundo digital, ele dá seu jeito de superá-la) e assim, sem perguntas e apenas cumprindo o que lhe foi incumbido,“El Tatá” (como passa a ser conhecido) ganha respeito de Laton (Andy Garcia de O Poderoso Chefão 3 de 1990 de Francis Ford Coppola), o chefe do cartel e seus asseclas (virando um “tiozão” destes), principalmente com a turma de seu contato inicial, e aí prospera e vai recuperando o seu lugar no seio da família. Duas faces de um homem singular, que faz da contravenção uma forma de dizer ao mundo que não se conforma docilmente com a parte que lhe é dada neste latifúndio, lembrando sutilmente (neste aspecto) o personagem de Brian Cranston em Breaking Bad

"Cabron!! Que quieres aquí viejo?"


Contudo, as ações de Earl passam à atrair a atenção do agente Colin Bates (Bradley Cooper de Sniper Americano de 2014, também dirigido por Eastwood), e todo órgão de combate às drogas (DEA) cujo chefe (Laurence Fishburne da trilogia Matrix) é o agente responsável pelo caso , mas o seu personagem é pouco desenvolvido, acontecendo o mesmo com o personagem do agente Trevino (Michael Peña) o seu parceiro de investigação. A parte da investigação é bastante clichê ao mostrar o procedimento investigativo, acrescentando pouco ao filme. Alguém aqui ou qualquer um de vocês leitores poderiam facilmente fazer o papel de Laurence Fishburne ou de qualquer policial da trama.... Uma sequência policial onde os personagens de Bradley Cooper e Michael Peña enquadram um motorista “suspeito” é bem engraçada, destaque para o iniciante ator Javier Vazquez Jr. que interpreta o motorista detido. Pois é... A questão é que ninguém mesmo suspeita do bom e velho Earl apesar de estar sendo procurado. Alguém conhece a clássica historinha da  “Velhinha Contrabandista”  de Stanislaw Ponte Preta? Vale a conferir a comparação...


Quando a coisa fica tensa: "É comigo?"



Colaboradores de outros projetos de Eastwood, o desenhista de produção Kevin Ishioka, e a figurinista Deborah Hopper ajudam a compor o universo cinzento, árido e salpicado de esperanças de Earl, enquanto o editor Joel Cox (Oscar por Os Imperdoáveis de 1992) garante um bom ritmo ao filme, mas sóbrio, sem vibração intensa, perseguições e capotagem de carros ou viradas mirabolantes, ou qualquer cena de violência mais “gráfica", até porque, o filme não pede esse aproach... 

A fiscalização não repara no "doce velhinho"...

O roteiro assinado por Nick Schenk, inspirado no artigo da  New York Times Magazine “The Sinaloa Cartel’s 90-Year-Old Drug Mule”, de Sam Dolnick, se baseia na história real de Leo Sharp, homem que colecionou uma série de honras, indo desde prêmios por seus trabalhos como paisagista e decorador, até o reconhecimento por ter lutado contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto, foi aos 87 anos que conquistou algo surpreendente: ele foi preso em 2011 por portar o equivalente a três milhões de dólares em cocaína no seu carro, uma picape velha, no Michigan. Sharp era o líder do Sinaloa, um cartel de drogas Mexicano. 

Só a neta Ginny (Taissa Farmiga) realmente confia no vôvô Earl.

Aqui, terminam as semelhanças com o filme, pois, apesar de seu advogado argumentar que ele não poderia ser preso por conta de sua idade e demência, Sharp foi condenado a dois anos de cadeia. Ele morreria em 2016, aos 92 anos. Aqui fica o contraste com a realidade, até porque Eastwood dificilmente admitiria estar vivendo o vilão da história afinal, independente das razões, ele entrou para o narcotráfico, que destruiu e destrói muitas vidas. Coisas da sétima arte... O que o personagem Earl busca é na verdade sua redenção em relação a família. 

Galanteador: "-Eu voltei.... Agora pra ficar ♬♪ 
Porque aqui ♬♪ Aqui é meu lugar"

Ao final, embora seja um filme modesto em suas pretensões narrativas, (que em mãos menos habilidosas resultaria num filme menor e descartável) A Mula nos brinda com uma despedida digna de uma lenda viva da sétima arte e um mito real, mostrando com um tom “pra cima”, que “ser idoso” (indivíduo que envelhece naturalmente, mas ainda sendo produtivo e lúcido) não é ser velho” (senil e doente, o rótulo que a sociedade dá à população da terceira idade, vendo-a como lixo a ser descartado) quando você se dispõe a enfrentar as batalhas da vida e a encarar de frente os seus fantasmas, assumindo as responsabilidades por suas escolhas.

Obrigado Clint! 


"Vão-se as flores, ficam os espinhos... 
aí a gente poda e espera a nova floração..."

Crítica - Filmes: Aquaman

Ele fala com os peixes... e dai?


Por Alexandre César

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James Wan resgata o Soberano dos Mares da DC Comics
 
Arthur Curry (Jason Momoa): 
" -Cheguei terrâneos! Vão encarar???"

   Criado por Paul Norris e Mort Weisinger para a revista More Fun Comics nº 73, com data de capa de novembro de 1941 (chegou às bancas dos EUA em 25 de setembro de 1941.), Arthur Curry começou como um personagem secundário no universo da DC Comics e, apesar de ter sido um dos membros fundadores da Liga da Justiça, por um bom tempo, em suas várias fases, alternou momentos de grande relevância e de reles complemento no panteão dos super-heróis da editora. Foi descaradamente ridicularizado na cultura pop em programas humorísticos como The Big Bang Theory e South Park, onde todo o potencial mitológico do seu universo era desconsiderado por ser ele “o cara que fala com os peixes”

Rei Nereus (Dolph Lundgren) e Orn (Patrick Wilson, de costas): 
aliança pelo poder


   Aquaman (2018), dirigido por Jams Wan (Invocação do Mal, de 2013), resgata de maneira épica, grandiosa e esperta a essência do herói, numa aventura repleta de ação com um visual deslumbrante do mundo subaquático. Vemos sua “jornada de herói” (relutante) até a conquista do trono da Atlântida, assumindo a sua posição de Rei dos Mares e resgatando o status do qual o personagem gozava nas décadas de 1950 e 1960 (a chamada Era de Prata dos quadrinhos norte-americanos). 

Mera (Amber Heard): não é a Ariel, mas é uma ruiva maravilha

   O filme inicia, de forma rápida e bem solucionada, com a história de Tom Curry - Temuera Morrison, de  Star Wars: Episódio 2 – Ataque dos Clones (2002, de George Lucas), em um papel gente boa - , um faroleiro que resgata Atlanna (Nicole Kidman, em desempenho fofo), uma rainha exilada da cidade submarina perdida de Atlântida.


O Reino de Atlântida: visual deslumbrante do mundo submarino,
 mostrando onde foi gasto cada centavo dos US$ 160 milhões do filme


   Anos após a partida dela, vemos o fruto desta união improvável, Arthur Curry (Jason Momoa de Game of Thrones), já estabelecido como herói após os eventos de Liga da Justiça (2017, de Zack Snyder), e após o resgate de um submarino atacado pelo vilão Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II, da série The Get Down da Netflix). Com este ato o herói ganha um inimigo vingativo. 


Arthur (Jason momoa), Mera (Amber Heard) e Vulko (Willem Dafoe): 
 finalmente o conselheiro dá as caras

   Ainda meio incerto quanto a seu lugar no mundo, ele encontra a princesa Mera (Amber Heard, que já encarara o papel em Liga da Justiça), filha do Rei Nereus (Dolph Lundgren num bom papel, diferente do que se espera de um papel de Dolph Lundgren”) que governa o reino atlante Xebel. Nereus está unindo forças com o meio-irmão de Arthur, Orm - Patrick Wilson de  Watchmen - O Filme (2009, de Zack Snyder), em atuação correta. Orn é o atual Rei de Atlântida e nos quadrinhos ele é conhecido como o vilão Mestre dos Oceanos. O objetivo dos dois é unir os sete reinos e declarar guerra ao mundo da superfície. Arthur precisa assumir uma posição nesta contenda e descobrir quem ele é e se é digno de seu destino: ser rei. 


Orm (Patrick Wilson): meio-irmão do herói e regente louco por uma guerra

    O roteiro de David Leslie Johnson-McGoldrick (Invocação do Mal 2 ) e Will Beall (Caça aos Gângsteres), a partir da história de Geoff Johns, James Wan e Will Beall, acerta ao mesclar vários elementos das diversas fases do personagem, modificando alguns deles em função da necessidade narrativa. A direção de Wan não é perfeita, mas é eficiente ao impor um visual deslumbrante e ao fazer em poucas cenas entendermos quem são os personagens e as suas motivações.
 
O passado e a queda da Atlântida: 
referências ao relatos do médium Edgar Cayce

    As cenas da origem de Arthur remontam à Adventure Comics nº 260 (maio de 1959, história com o título "Como Aquaman conseguiu seus poderes!"). Isto também ocorre como as sequências de sua juventude, tendo Vulko (Willem Dafoe, sereno e sábio), conselheiro do trono de Atlântida, como seu mentor, ajudando-o a descobrir os seus poderes. Era para Vulko ter sido apresentado antes ao publico em Liga da Justiça, mas todas as suas cenas ficaram no chão da sala de edição.
 
Mudando a fase do game: Mensagem do Rei Atlan.

   Não temos dúvida sobre as ambições de Orm (que, nos quadrinhos, é meio-irmão de Arthur por parte de pai, não de mãe) e entendemos porque Arraia Negra (embora seja em essência um vilão-soldado) é o que é graças à sua relação com o pai (Michael Beach, ótimo). Mas é a atitude de Arthur que, com um lampejo de arrogância, transforma Arraia Negra em um de seus maiores inimigos. E esta relação é bem estabelecida graças à química dos atores (destacando-se a entrega de Yahya Abdul-Mateen II em suas cenas iniciais). Em meio ao visual elaborado, colorido e mitológico do filme, temos de brinde, entre os vários easter eggs, na sequência de batalha climática, uma cena rápida homenageando as animações de TV  Superman/ Aquaman Hour of Adventure, de 1967, e Superamigos da década de 1970. De fã para fã... 

Os sete reinos marinhos transpiram mitologia

   Como nem tudo é perfeito, a edição de Kirk M. Morri (Velozes & Furiosos 7, e os filmes da franquia Sobrenatural) enfatiza o lado gamer do diretor, com várias sequências de luta remetendo a games de tiro em primeira pessoa, ou a perseguição nos telhados de uma vila na Sicília - que talvez se beneficiasse se fosse encurtada em um minuto ou dois. A sequência do holograma do antigo Rei Atlan explicando os poderes do seu tridente é uma perfeita introdução de fase de game. Outros tempos, outras mídias se incorporando ao “fazer cinema”... Um dia isto ainda ficará fluido. 


Tubarões são legais, com lasers então...

   A fotografia de Don Burgess ( Forrest Gump - O Contador de Histórias) e o design de produção de Bill Brzeski ( Velozes & Furiosos 7) criam um mundo riquíssimo de detalhes que, aliados aos ótimos efeitos visuais, captam a fluidez dos movimentos no meio líquido numa palheta de cores vasta, realçando o aspecto mitológico deste mundo embalado pela música de Rupert Gregson-Williams (Mulher-Maravilha). As cenas que mostram o passado de Atlântida remetem de forma sutil as visões de Edgar Cayce, popular médium norte-americano da primeira metade do século XX, que fez um relato detalhado de como teria sido o antigo continente de Atlântica e seu mítico reino. 


Arthur e Orm: O bastardo e o filho legítimo na disputa do trono


   Outro caso à parte são os figurinos de Kym Barrett (trilogia MatrixO Espetacular Homem-Aranha) que trabalha muito bem materiais e cores, muitas vezes mixados com os efeitos digitais, criando ótimos resultados - ora funcionais, ora carnavalescos (no bom sentido) - conseguindo uma ótima recriação do uniforme tradicional do herói, que sempre foi tachado de cafona.
 
Os sete Reinos: é interessante a diversidade dos povos submarinos, 
remetendo à criaturas mitológicas com avançada tecnologia

   Jason Momoa, uma força da natureza, defende bem o seu papel, apesar de, em alguns momentos, parecer ele mesmo. Ele encontra em Amber Heard uma contraparte segura, que compensa as suas hesitações, tendo inicialmente um relacionamento quase igual ao do Homem-Formiga com a Vespa na Marvel (eu disse quase!).

Mera (Amber Heard): fluidez do movimento de cabelos 
e de diversos materiais no meio líquido


   Ao final saímos satisfeitos ao ver que um herói, há muito injustiçado, finalmente tem o seu lugar de direito reconhecido entre deuses da moderna mitologia pop. Enquanto isso, mesmo não tendo sido ao longo da história tão sacaneado quanto o pobre Arthur, por onde anda (ou nada...) mesmo o tal do “príncipe submarino”??? Marvel, a palavra é com vocês.

"- Cafona, eu?"
 

Crítica - Filmes: Alita - Anjo de Combate


O Show da Poderosa!!! 

Por Alexandre César

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Robert Rodriguez traz a melhor adaptação de um mangá/anime


Mangá e cinema: Alita (Rosa Salazar) têm os olhos maiores 
por ser um ciborgue, um ser diferente dos humanos comuns
  
Cerca de 300 anos após “A Queda” - um confronto global que envolveu a Terra contra a RUM (Repúblicas Unidas de Marte) - Zalen, a única cidade terrestre remanescente quase intacta, continua flutuando acima da superfície - embora o seu pináculo central continue destroçado pelo conflito. A cidade flutuante, ancorada por colossais amarras, mantém uma relação simbiótica com o que restou da Cidade do Aço, localizada logo abaixo: uma metrópole devastada pelo conflito e cuja área central é um lixão onde é despejado constantemente todo e qualquer refugo tecnológico da metrópole aérea. Os habitantes do lixão peneiram para encontrar qualquer item aproveitável para fazer componentes protéticos mecânicos ou qualquer gambiarra que lhes ajude no dia a dia.

Dr. Dyson Ido (Christoph Waltz) dá o nome de sua falecida filha, 
Alita, à recém-chegada

O sonho de todos que vivem na Cidade do Aço é um dia juntar dinheiro e ir morar naquele paraíso nas nuvens. Para isso trabalham nas fazendas, no comércio, em qualquer setor que alimenta a metrópole aérea, em meio às dificuldade do dia a dia. No lixão, parte de uma ciborgue é descoberta pelo Dr. Dyson Ido (Christoph Waltz), um cientista que tem uma clínica que ajuda os mutilados ou detentores de má formação, reconstruindo partes protéticas. Embora não tenha memórias de sua origem a ciborgue Alita (Rosa Salazar, de Maze Runner – A Cura Mortal) revela grande habilidade de combate. Enquanto busca informações sobre seu passado, ela arruma um trabalho como caçadora de recompensas (pois o que não falta por lá são ciborgues malfeitores) e, à medida que recobra suas memórias, descobre as coisas simples que nos fazem humanos, como o senso de unidade familiar, a amizade e o amor.

A direção de arte foge do lugar comum cyberunk ao estilo "Blade Runner",
 criando um mundo real e palpável
Romance fofo: Alita e Hugo (Keean Johnson), 
o jovem trabalhador que tem um segredo. 
Mas o amor faz milagres...

Embora parta de uma premissa para lá de genérica - que já vimos em centenas de filmes, séries, quadrinhos, animações, games etc - Alita – Anjo de Combate (2019) surpreende com um frescor e domínio narrativo inesperado, fruto da conjunção de três nomes: Robert Rodriguez (Sin City, de 2005) na direção e da dupla James Cameron e Jon Landau (Titanic, de 1997 e Avatar, de 2009) na produção. E se revela, até o momento, a melhor adaptação de um mangá/anime (quadrinho/ animação japonesa) feito em Hollywood. Ele é baseado em Battle Angel Alita, de Yukito Kishiro, um mangá recomendado com muita atenção por Guillermo del Toro para o colega James Cameron, que se encantou com o conceito - embora o projeto d transformá-lo em filme tenha sido adiado vezes sucessivas devido ao trabalho de Cameron no filme Avatar e suas sequências.

Neste mundo distópico, a alta tecnologia convive com a estratificação social

Em 2015 Robert Rodriguez embarcou no projeto, trabalhando inicialmente em cima do roteiro de Cameron e Laeta Kalogridis. Rodriguez condensou num resultado feliz as 186 páginas de roteiro de Cameron e combinou com as 600 páginas de anotações no que seria o roteiro de filmagem, satisfazendo Cameron, que lhe ofereceu a direção do filme. Percebe-se não temos aqui “um filme imitando um anime”, mas um filme que tem pique narrativo e jeito de anime. E não só na parte visual, mas na estruturação do roteiro, resultando num filme que é realmente feito para jovens, por alguém que consegue pensar como jovem e não um velho se fingindo de jovem, mas não se arriscando por medo de ousar e “quebrar a cara”. Rodriguez soube dosar o ar juvenil na narrativa (afinal a cinesérie Pequenos Espiões - com filmes lançados em 2001, 2002, 2003 e 2011-, além de As Aventuras de Shark Boy & Lava Girl, de 2005, serviram de laboratório para que ele entendesse o cinema infanto-juvenil) e usou bem seu amplo domínio de utilização da tecnologia disponível (aprendido nos anos iniciais da carreira, como realizador de clássicos B e Trash) para contar uma história da melhor forma possível.

Alita: Uma adolescente com o coração na mão (mesmo!)

A direção de arte, a fotografia de Bil Pope (da trilogia Matrix) e os efeitos visuais acertaram em cheio ao criar um mundo pós-conflito global, mas não pós-apocalíptico, evitando tal como ocorre em Jogador Nº1 (e foram até melhor...),o estereótipo da “megalópole futurista sombria sempre chovendo” tipo Blade Runner. Ele opta por um mundo palpável onde a tecnologia, mesmo que de segunda mão, está incorporada ao cotidiano. Onde a cidade é perigosa, mas as pessoas trabalham, criam seus filhos e sonham tentando viver da melhor forma possível. Como vemos esse mundo com os olhos lúdicos (e que olhos... ponto para a Weta Digital!!!) e inocentes de Alita, não caberia uma visão de ambiente sinistra. 

Chiren (Jennifer Connely), a fria ex-mulher do Dr. Dyson. 
Personagem que pedia um maior desenvolvimento de seu arco

O perigo existe - mostrando volta e meia a sua cara feia, como é a face do do cyborgue criminoso Grewishka (Jack Earle Haley, de Watchmen e do seriado Alvo Humano), baseado em Grewcica, personagem do  OVA (Original Video Animation) Battle Angel, que age em acordo com Vector (o oscarizado Mahershala Ali), um líder do submundo. Vector arma as partidas de Motorball, esporte com gladiadores, híbrido do clássico Rollerball (1975, de Norma Jewison) e das corridas norte-americanas de Nascar. Completam este rico universo ficcional: Zapan (Ed Skrein), um arrogante ciborgue caçador de recompensas; Hugo (Keean Johnson), o interesse amoroso de Alita - bad boy mas de bom coração - que a ensina a jogar Motorball; Gelda (Michelle Rodriguez), uma ciborgue que treinou Alita e aparece em flashbacks; e Chiren (a bela diva Jennifer Connelly), a ambiciosa ex-mulher de Dyson que divide tramoias e o leito com Vector. Todos estes são lacaios de Nova, misterioso vilão ligado ao passado de Alita que observa a tudo e a todos de sua base segura em Zalen.
 
Grewishka (Jack Earle Haley) a face feia do perigo...

Zapan (Ed Skrein): o seboso ciborgue caçador de recompensas

Salazar, auxiliada pela tecnologia de captura de performance convence - apesar de já estar entrando nos trinta - como uma adolescente (superpoderosa e cibernética, mas ainda uma adolescente) cheia de sonhos e anseios, capaz de dar o seu coração (literalmente) pelos que ama. Ela carrega bem o filme - com sua dose de dramalhão (como todo anime), humor e ação -, revelando boa química com o elenco, em especial com Johnson, seu par, e com Christoph Waltz, que caminha a passos largos para ser o novo Max Von Sydow (ator consagrado que não se importa de participar de produções comerciais enquanto não pinta “aquele filme” que aumentará a sua já estabelecida consagração...). Waltz e Salazar estabelecem uma boa dinâmica de pai amoroso e filha rebelde e Connelly convence como mulher fria e ambiciosa, mas não imune à boas ações apesar de seu arco não se concluído de forma satisfatória (talvez, na continuação, possamos conhecê-la melhor....). 

O jovem casal sonha e faz planos...
Vector (Mahershala Ali) líder do submundo e Chiren (ao fundo)
 obedecem ao misterioso "Nova", o real vilão.
 
A arena de "Motorball": o lado vídeo game do filme é abraçado 
plenamente com bons resultados

No computo final, Alita –Anjo de Combate se revela uma grande e bela surpresa, com tudo para agradar ao público com seu visual rico, que sabe dosar o cyberpunk e o vídeo game. Narrado com competência e não subestima a inteligência de seu público procurando usar aquele pensamento de que  “basta botar explosões e edição acelerada e está feito!”
 
Os "Parças" James Cameron & Robert Rodriguez: 
Feliz união de forças criativas

Cameron e Rodriguez, a dupla improvável, mostraram que não importa quão batida seja a história, mas sim, como contá-la de forma inteligente e sem excessos. E que venha Alita II ou 2!

Vai encarar???
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