E agora rapazes,“ELA” chegou!!!
por Alexandre César
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O equilíbrio entre a origem da personagem e a sua relevância no MCU, fazem uma aventura as vezes previsível, mas extremamente eficiente.
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Passado fetichista: Miss Marvel, Warbird e Binária. Identidades passadas de Carol Danvers nas HQs do passado. |
A primeira pergunta que muita gente está se fazendo desde que este filme foi anunciado: quem é a Capitã Marvel? Quem é essa personagem que a Marvel parece ter tirado do bolso de uma hora para a outra, criando aparentemente do nada um ícone feminino para chamar de seu? Para estes respondemos que a Capitã não surgiu do nada e tem muita história para contar.
Carol Danvers surgiu nos quadrinhos em 1968 como coadjuvante na revista do super herói alienígena Kree Capitão Marvel da Marvel (criado por Gene Colan e Stan Lee em 1967). Anteriormente o nome deste herói pertencia ao personagem da Era de Ouro dos quadrinhos que muita gente sempre chamou de Shazam. Sua editora, a Fawcett Comics, desistiu de continuar publicando suas aventuras e de todos os outros personagens de seu background ao entrar em acordo com a DC Comics em 1953, após um longo e dispendioso processo - a DC acusava do personagem de ser um plágio da sua galinha dos ovos de ouro: o Superman. Por não publicar mais suas aventuras, a Fawcett deixou de renovar os direitos pelo uso do nome do herói e seu Copyright ficou em aberto. O sempre esperto Stan Lee tratou de criar seu próprio Capitão Marvel, quando ficou claro que os super heróis seriam o carro chefe da Marvel Comics. Ele não podia deixar passar a oportunidade de garantir um personagem com o nome da editora nessa onda.
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Miss Marvel em sua primeira revista solo: nesta fase ela era muito ligada ao universo do Homem Aranha |
Carol foi piloto da USAF, agente de segurança da NASA, operativo da CIA, editora de revista feminina, autora de ficção-científica (entre outros gêneros) e, de quebra, ao ser salva da explosão de um maquinário dos alienígenas kree (o “psicomagnetron”) pelo primeiro Capitão Marvel (o militar kree Mar-Vell), foi afetada pela radiação do equipamento. Incialmente acreditou-se que a radiação fora filtrada pelo seu salvador alienígena, tornando-a uma híbrida genética kree/humana. Mais recentemente, porém, descobrimos que ela sempre foi uma híbrida kree/humana, mas não sabia disso. A radiação da explosão só detonara seus poderes latentes.
Carol adquiriu superforça, grande resistência física, poder de voo e um “sétimo sentido”, iniciando uma carreira de heroína com o nome de Miss Marvel. Tornou-se membro de Os Vingadores, perdeu seus poderes e memória numa batalha contra Vampira (quando esta ainda era vilã, antes de se tornar membro dos X-Men). Recuperou suas lembranças com a ajuda do Professor Xavier e participou de aventuras com os X-Men (era amiga do Wolverine de longa data) e, numa dessas, graças à uma fonte inesgotável de poder cósmico, transformou-se quase em uma estrela humana, com poderes ainda maiores do que já possuíra, assumindo o codinome de Binária. Entrou para o grupo de mercenários e justiceiros interplanetários chamados de Piratas do Espaço, depois reencontrou os Vingadores e voltou a Terra, após se ferir e ter seus poderes revertidos ao nível de Miss Marvel. Após algum tempo, decidiu assumir o codinome de Warbird.
A insegurança pela perda das habilidades cósmicas a levaram ao alcoolismo, deixando a equipe dos Heróis Mais Poderosos da Terra. Graças à ajuda de Tony Stark, o Homem de Ferro, novamente deu a volta por cima. Participou de aventuras com os Guardiões da Galáxia e cumpriu missões para a S.H.I.E.L.D. Após vários percalços, assumiu a patente e o codinome daquele que a inspirou a seguir a carreira super-heroica, há bastante tempo falecido, tornando-se assim a Capitã Marvel, um ícone do empoderamento feminino, deixando para trás o seu passado em que, visualmente era apenas mais uma poderosa, curvilínea e gostosona super-heroína vestida como uma chacrete, atendendo aos fetiches de gerações de nerds babões.
Agora que fomos devidamente apresentados, voltemos ao filme.
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Carol Danvers / Veers (Brie Laerson) junto aos companheiros da "Star Force" do Império Kree. Origens nebulosas. |
Dirigido por Anna Boden e Ryan Fleck, que assinam o roteiro junto com Geneva Robertson-Dworet, Capitã Marvel (2019) faz sua estreia no Universo Cinematográfico Marvel (UCM) carregando um peso descomunal em seus ombros. É a primeira aventura do estúdio protagonizada por uma mulher (marcando mais um aceno da Marvel Studios à diversidade). Uma mulher em busca da sua identidade e da origem da sua força. Este é um filme com jeitão das produções da Fase Um do estúdio, que serve de ponte entre Vingadores: Guerra Infinita (2018) e o esperado Vingadores: Ultimato (que chega em abril deste ano) - ambas produções dirigidas pelos irmãos Anthony e Joe Russo. Isto torna esta película (que, a grosso modo, poderia ser só um filme Marvel com foco na diversidade) numa das produções mais aguardadas do estúdio, com uma pegada histórica similar aos filmes do Capitão América, e que cumpre bem o seu papel de entretenimento, resultando numa obra com vida própria e acenando para um futuro bastante promissor.
Começamos a história em um sistema distante, onde seu alter-ego Vers (Larson) é uma oficial kree honrada e poderosa que, em meio à guerra entre os Krees e os Skrulls (raça de alienígenas transmorfos), está sendo treinada para fazer parte da Star Force. O seu treinamento, bastante intenso, é ponto chave para que o público entenda certos comportamentos da heroína. Afinal, o filme chega aos cinemas com o peso de ter que provar que ela está à altura de encarar Thanos, além de introduzir o conflito kree x skrull, até então inédito no UCM. Se você viu como os kree foram representados em Guardiões da Galáxia e na série de TV
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Yon-Rogg (Jude Law ao centro) no comando. Eficiente mas nada de extraordinário. |
Este é muito mais um filme sobre Carol Danvers (Brie Larson) do que sobre a heroína que ela eventualmente se tornará. O seu roteiro simples tenta fugir do padrão engessado de filmes de origem da Marvel. Ela não sabe tudo - seja sobre seus poderes, seja sobre si mesma -, errando, se decepcionando. Cai no chão várias vezes e, não importando a situação ou o adversário, sempre se levanta e tenta de novo, até finalmente conseguir. É fácil simpatizar com ela e seu humor sarcástico ou se empolgar com os poderes cósmicos que ela possui. A ascensão de Carol ao longo do filme é empoderadora, mas não bandeirosa.
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Nos deparamos com um jovem (e com dois olhos!) Nick Fury (Samuel L. Jackson)... |
Começamos a história em um sistema distante, onde seu alter-ego Vers (Larson) é uma oficial kree honrada e poderosa que, em meio à guerra entre os Krees e os Skrulls (raça de alienígenas transmorfos), está sendo treinada para fazer parte da Star Force. O seu treinamento, bastante intenso, é ponto chave para que o público entenda certos comportamentos da heroína. Afinal, o filme chega aos cinemas com o peso de ter que provar que ela está à altura de encarar Thanos, além de introduzir o conflito kree x skrull, até então inédito no UCM. Se você viu como os kree foram representados em Guardiões da Galáxia e na série de TV
Marvel´s Agents of S.H.I.E.L.D., deduz o que se desenrola aqui. O roteiro faz quase que um paralelo com o conflito de Palestinos e Israelenses que, apesar de bastante coerente dentro do filme e do próprio UCM, pode desagradar a alguns fãs mais xiitas.
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... e com um jovem Phil Coulson (Clark Gregg). Milagres do CGI... |
Um dado interessante no filme está na estrutura inversa do roteiro dessa história de origem. No mundo Kree, ela tem flashs de sua vida em nosso planeta, e quando está cativa dos Skrulls, vemos estas memórias embaralhadas e fora de ordem. Como é um filme sobre auto descoberta e autoafirmação, se investe bastante em flashbacks e autocitações ao longo da trama. Por exemplo: só depois da metade do filme descobrimos como ela adquiriu seus poderes, quando ela remonta a sua própria história, e logo percebemos que nada é o que parece ser. Um dos problemas do roteiro é a falta de personalidade dos antagonistas, genéricos em seus planos e visão de mundo (o tal “calcanhar de Aquiles da Marvel”), prejudica a trama.
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Os anos 90 e a tecnologia de ponta em audio visual: O vídeo VHS. |
Após algumas reviravoltas, a nossa heroína desmemoriada acaba caindo na Terra, na década de 90, e assim o filme engrena de vez, funcionando inclusive como uma prequel de alguns eventos já vistos no UCM. Embora as ligações com os outros filmes não sejam o foco, há coerência nos acontecimentos que adicionam uma camada extra de informação para quem acompanha fielmente os filmes do universo Marvel.
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Começam a emergir na mente de Vers lembranças de uma "Carol Danvers", piloto da USAF... |
Já na Terra, a história cresce ao vermos a formação do UCM, tomando forma na presença dos jovens Nick Fury e Phil Coulson (Samuel L. Jackson e Clark Gregg, rejuvenescidos via CGI). Neste período, a S.H.I.E.L.D. é uma agência menor, como outras tantas. Logo Carol entra numa perseguição a alguns skrulls disfarçados a bordo de um trem, com Fury e Coulson na cola dela em um carro, como vemos em thrillers clássicos, como Operação França (1971, de William Friedkin). Danvers e Fury se tornam verdadeiros aliados, gerando outras situações que remetem a outros clássicos thrillers, com traições e fugas no último segundo, Aliás, a participação de Fury (que ainda tinha visão binocular) é um ponto alto da narrativa. A amizade entre eles flui naturalmente, lembrando uma comédia do gênero buddy cop, em que vemos dois policiais ou investigadores com estilos diferentes e conflitantes, mas que acabam se tornando bons amigos. A guerra interplanetária ganha uma certa leveza ao ser apresentada pelos olhos ainda inocentes de Fury. O roteiro, faz uso de situações e locais que acertam em cheio na proposta da apresentar o estilo de vida dos anos 90. Embora encontre soluções interessantes, deixando a determinação de Carol Danvers guiar boa parte do filme, o roteiro não se permite maiores ousadias, vítima da famigerada fórmula Marvel.
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Finalmente somos apresentados aos Skrulls, aqui comandados por Talos (Ben Mendelsohn) que surpreende. |
Embora Larson faça um bom trabalho, a busca pela própria identidade acaba limitando a personalidade de Carol, presa aos clichês narrativos da "garota confusa e sem memória" , o que prejudica seu rendimento. Entretanto, é a parceria de mulheres humanas e sem poderes revelada em seu passado que realmente encanta e gera simpatia pela heroína. Sua história de fundo, com a amiga e também piloto Maria Rambeau (Lashanna Lynch), instiga nossa curiosidade por quem ela era antes de ficar desmemoriada. Maria é a grande conexão da heroína com seu passado, dando uma camada emocional à história, numa interpretação naturalista, típica de dramas indies (algo raro no MCU). Está nas suas lembranças o elo das amigas, seja enfrentando os preconceitos como mulheres pilotos, seja no apoio para a criação da pequena Monica Rambeau (Akira Akbar) - Maria é mãe solteira. A pequena Mônica também rouba a cena ao representar esta nova geração de meninas sonhadoras, pois, diferente da Princesa Amazona da DC, Carol é uma representação mais plausível da realidade em que as mulheres vivem atualmente, sendo louvável, a proposta do filme em mostrar como ela é incrível com ou sem poderes.
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As lembranças de seu passado como piloto e a amizade com Maria Rambeau (Lashanna Lynch) resgatam a sua identidade. |
O elenco de apoio, por sua vez, é enxuto, mas garante bons momentos. Destacamos o Skrull Talos, interpretado por Ben Mendelsohn. O ator, acostumado ao tipo vilanesco, faz um personagem bem diferente de sua concepção nos quadrinhos, mas ainda bastante coerente dentro da narrativa proposta, dando-nos uma performance bonita e sensível, apesar do rosto escondido por trás da grossa maquiagem verde. Yon-Rogg (Jude Law - que não é o Capitão Marvel dos quadrinhos, como alguns sugeriam) entrega uma atuação padrão para um personagem frio e idealista. Nada excepcional, mas longe de ser ruim. Annette Bening também não decepciona – ainda que a empolgação da atriz em fazer parte do UCM seja transparente em praticamente todas as cenas que atua. Quem acaba sendo – novamente – subaproveitado é Ronan, o Acusador (Lee Pace). Agora o adorável gatinho Goose consegue roubar a cena quando é posto em ação, sendo o bichano laranja uma grata surpresa cheia de segredos.
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Carol Danvers e Nick Fury estabelecem uma parceria similar à de muitos filmes tipo "Máquina Mortífera"... |
A trilha incidental é um show à parte, assim como a trilha sonora (com uma vibe de ficção científica muito boa de ouvir), apostando no grunge dos anos 90, e entrega vários sucessos que voltarão a integrar as playlists da moda em breve. Hits de época do Elastica e do TLC até embalam a trilha sonora, numa tentativa de emular o que James Gunn fez com a trilha de Guardiões da Galáxia. Os figurinos são eficientes, dentro da necessidade, mas pouco se destacando, similar ao design de produção, que poderia explorar a cultura dessa nova parte do espaço, mas pouco expande visualmente as particularidades das sociedades Kree e Skrull, tendo uma identidade incerta, como a sua protagonista. Mas pelo menos, Carol encontra a sua ao final...
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Korath (Djimon Hounsou) e Doutora Minn-Erva (Gemma Chan): Personagens de outras sagas dos quadrinhos que atuam com Yon-Rogg. |
Há um desequilíbrio nas cenas de ação, medianamente coreografadas, e nos efeitos visuais. Se a equipe de maquiagem trabalhou de forma espetacular - sendo o rejuvenescimento digital de Samuel L. Jackson e de Clark Gregg muito bem-sucedido -, por outro lado, no que diz respeito a cenas mais elaboradas de ação ou ambientes mais inusitados - como o da Suprema Inteligência Kree - é muito perceptível o uso do CGI. As lutas aéreas, envolvendo os poderes totalmente evoluídos da heroína, pecam por possuir um aspecto de vídeo game fake, tirando o peso da pirotecnia que preenche a tela, criando uma imagem do espaço não uniforme que não transmite credibilidade, destoando de outras produções do estúdio.
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Prestem atenção neste cara, digo felino... |
Ainda que o subtexto feminista (embora bem colocado) não alcance a profundidade que a temática racial e cultural ganharam em Pantera Negra (2018, de Ryan Coogler), Capitã Marvel cumpre seus objetivos ao apresentar uma história redonda, de uma líder forte e debochada, mas não arrogante como Tony Stark, e sem cair no estereótipo da
“chutadora de bundas” Ela é superpoderosa e sabe disso, mas entende o seu papel de inspiração para as crianças, dividindo o seu tempo entre salvar o universo e descobrir sobre seu próprio passado (a diferença é que ela não tem uma Kriptonita...).
Admitamos rapazes, Carol Danvers tem uma senhora personalidade e, independente de seus poderes, o seu potencial neste universo não pode ser medido apenas por seus êxitos, mas também pelas suas falhas. É na sua empatia e resiliência que a sua humanidade aflora e ela triunfa.
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"Breve no Playstation ou para jogar online ..." |
Obs: Fãs, não se esqueçam de ver as DUAS cenas pós-créditos.
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