Descanse em Paz, Ufa!
por
Ronald Lima (3 Velhos Nerds)
________________________________________________
Tyler Perry se despede de seu icônico personagem
Imagine a Dona Hermínia do ator Paulo Gustavo da peça teatral e dos filmes Minha Mãe é Uma Peça (2013 e 2016) entrando de sola em uma novela de horário nobre dessas bem dramáticas e roteiro pra lá de previsível? Incorrigível em seu modo exagerado, atrevida e desbocada, é a personagem Madea criada e retratada pelo ator, diretor e roteirista Tyler Perry em Diário de uma Louca (2005). Perry retoma nesse novo filme a histriônica personagem de Madea - Reunião de Família (2006), Madea Vai Para a Cadeia (2009), Madea's Big Happy Family (2011), As Testemunhas de Madea (2012), O Natal de Madea (2013), O Halloween de Madea (2016) e Boo 2! O Halloween de Madea (2017). Mas como algo para ser bom precisa ter um início, um meio e, um fim, a comédia Um Funeral em Família (2019) marca o adeus de Tyler a sua icônica Madea, despedindo-se desse alter ego, com um dos piores filmes da coletânea (não que algum seja realmente bom...) mas ele consegue ser o pior deles. Aqui, este ícone popular continua fiel às características que o deixaram conhecido: Caracterização estereotipada dos pobres, a vulgaridade, a sexualidade aflorada, o linguajar chulo, a paixão pela comida, a tendência às brigas barulhentas. A fina flor da humanidade. E este é o adeus de Tyler a sua icônica Madea. Será mesmo? Não pareceu.
![]() |
Tia Barm (Cassi Davis), Madea (Perry, no alto) e tia Hattie (Patrice Lovelly). |
Este tipo de comédia que os críticos costumam detestar, mas o sucesso de público é considerável, talvez, por se tratar de uma comédia tão barata, de moldes teatrais, movida a diálogos em espaços fechados, mesclando dois núcleos distintos: Um similar a um elenco de novela das 21:00 hs, onde a família de comercial de margarina esconde segredos e traições. O outro, é como um Zorra Total da terceira idade, protagonizado por Tyler Perry em três papéis distintos como os irmãos, Joe, Heatworth e Madea, o personagem central.
![]() |
Anthony, o falecido (Derek Morgan) que morreu feliz, usando "um estimulante"... |
O riso está concentrado no trio principal de idosas tias Barm (Cassi Davis) e Hattie (Patrice Lovely) e Madea, que é o coração do filme, conectando o arroz com feijão à farofada dos personagens cheios de um humor politicamente incorreto. Norbit (2007) de Brian Robbins e Vovó Zona (2000) de Raja Gosnell são referências óbvias a este filme. O primeiro porque Eddie Murphy se reveza no papel dos protagonistas do filme. O segundo, devido a semelhança com a icônica personagem interpretada por Martin Lawrence.
![]() |
Família largada e disfuncional... |
![]() |
Madea (Tyler Perry) sendo o que ela sabe ser melhor, ou apenas o que ela sabe ser : Ela. |
A estrutura geral do filme se resume a isso: Uma série de esquetes costuradas, cada uma em torno de uma única ideia, durando uns dez minutos pelo menos (o que para um filme é uma eternidade...), com um único motor humorístico: a obscenidade PG-13 (permitida para menores de idade), onde se insinua sexo o tempo inteiro sem jamais passar ao ato, encarregando os personagens idosos dessa ameaça de erotismo, e os jovens vivem um melodrama sobre esposas traídas e irmãos pecadores.
![]() |
Tyler (&) Perry bricando de Eddie Murphy... |
Pela configuração limitada do espaço e do tempo, lamenta-se o desperdício de atores talentosos como no momento que Vianne (Jen Harper) faz um discurso inspirado sobre o sofrimento das mulheres no século XX e as oportunidades para as mulheres do século XXI – embaladas pelos movimentos feministas e empoderadores (um dos poucos pontos interessantes da trama), sendo aqui possível sentir a solidão da matriarca. Mulher, negra, com três filhos e pouquíssimas oportunidades, fez o que pode para dar o melhor para sua família (mesmo que isso significasse seu sofrimento, sua insatisfação com a vida e sua depressão) mas, em meio às infinitas piadas de pênis... enquanto outros como Rome Flynn tentando extrair dramaticidade ou Patrice Lovely tentando ser engraçado se equivalem em suas vãs tentativas. Os atores são dirigidos como se pertencessem a filmes diferentes: Os personagens Sylvia (Ciera Payton) e Gia (Aeriel Miranda) atuam com toda a seriedade do mundo, enquanto Carol (Kaneshia KJ Smith) e todos os personagens de Tyler Perry se esbaldam no humor físico e escatológico. A unica coisa realmente risível nesse filme, é a sua coincidência, que todos estão no mesmo hotel na mesma hora, se encontrando no mesmo acontecimento… A mistura resulta num prato indigesto, elaborado sem muito cuidado na elaboração, nem na execução.A iluminação lembra um spot publicitário, a direção de arte se faz meramente funcional. Neste universo de perucas e barrigas de enchimento, tudo é acessório, tudo é artifício. Quando os personagens saem nas ruas, não existe ruído, não há outras pessoas ao redor. O mundo é um grande estúdio.
![]() |
Vianne (Jen Harper) e A.J.(Courtney Burrel) o discurso empoderado de uma mãe. |
Para nós brasileiros, o filme pode ser consumido como um produto genérico, podendo até se estabelecer um paralelo com humoristas brasileiros igualmente conhecidos pela representação carinhosa/grosseira das classes populares, entre gritos e piadas maliciosas. Perry, mostra que Madea, apesar de seu tom burlesco exagerado, não tinha fôlego para mais um filme, e nisto pode-se questionar também até quando sobreviverá o humor do travestimento, a graça de ver um homem vestindo roupas femininas, apalpando os seios postiços, com maquiagens exageradas de modo a revelar ao público sua farsa (afinal, o prazer se encontra na própria percepção do falso) e até quando as figuras tipicamente marginalizadas serão alvo de chacota (ou seja: Quando vamos parar de rir delas para começar a rir com elas)?
![]() |
A "beleza" está nos olhos??? |
O filme talvez tenha recebido o destaque pela presença do elenco inteiramente negro, no momento em que se demanda, com razão, maior representatividade étnica na arte, mas chegando à sua segunda década, o século XXI, ainda prefere ridicularizar grupos tradicionalmente rechaçados ao invés de atacar as figuras de poder, ficando o tal “protagonismo negro” neste caso, contraproducente por reforçar estereótipos ao invés de subvertê-los, e dito isto,
Um Funeral em Família consegue ser mais confuso do que os fizeres rápidos da personagem titular. Considerando o quão bem o personagem lhe serviu, Perry não retribui o favor neste episódio sem graça, cheio de um melodrama, desnecessário e sem nenhuma desenvoltura do elenco, virando uma grande novela mexicana de 1h 49min.
Um Funeral em Família consegue ser mais confuso do que os fizeres rápidos da personagem titular. Considerando o quão bem o personagem lhe serviu, Perry não retribui o favor neste episódio sem graça, cheio de um melodrama, desnecessário e sem nenhuma desenvoltura do elenco, virando uma grande novela mexicana de 1h 49min.
Nenhum comentário:
Postar um comentário