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Crítica: Game of Thrones : 8ª temporada


Dragões me mordam!!!

por Alexandre César 

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Entre (muitos) erros e acertos, a saga de Westeros se despede

 

Esse confronto prometia mais...

 

O inverno chegou, e com ele o Rei da Noite (Vladimir Furdik) e o seu exército de mortos, fazendo surgir uma aliança sem igual na história regada de sangue, traições e conchavos de Westeros, um mundo onde as estações costumam durar anos, às vezes gerações. Após um loongo verão e séculos de um corrupto sistema em que as casas de vários reinos se digladiam entre si para terem o Trono de Ferro e reinarem sobre os outros reinos deixando os seus líderes tão obcecados com a disputa pelo poder imediato que deixaram para trás de se preocuparem com o perigo real que pouco se importa com as sua ridículas divisões, aliás o que ele mais espera é que os homens estejam tão divididos entre que não percebam o seu avanço rumo a se tornar a única forma senciente (não necessariamente viva...) neste mundo. Promete, não??? Só que...  


Mãe e filho: Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) e Drogon , o "dragão-filho" predileto.

Baseado na série de livros  As Crônicas de Fogo e Gelo de George R. R. Martim, Game of Thrones chega a sua 8ª e última temporada após tornar-se a campeã absoluta da HBO, conquistando uma legião de prêmios e de fãs, batendo recordes de audiência e tornando astros o seu elenco que antes da série era em sua grande maioria uma legião de ilustres desconhecidos. 


Jon Snow (Kit Harrington de costas) e Daenerys e suas armas de destruição em massa.


 
Tendo se iniciado com cada temporada adaptando (muito bem por sinal) um livro da série, rapidamente a adaptação televisiva chegou até o último exemplar publicado, ultrapassando-o logo em seguida, o que levou o autor a passar as diretrizes básicas do desfecho da saga e de seus personagens principais pra os produtores e seus respectivos roteiristas, de forma que as duas obras pudessem prosseguir cada uma em seu tempo próprio. Tal fato levou levou fãs mais chiitas a reclamarem de uma certa superficialização geral do contexto geral, capitaneado pelos showrunners D.B. Weiss e David Benioff, mas logo a série retomou fôlego e foi se adaptando a esta nova realidade e agora, após enxugar o quadro geral na temporada anterior, temos finalmente a conclusão deste drama “épico/ novelesco/ fantástico/ medieval” regado à traição, intrigas, sexo e violência física e verbal. “the cream of cream” ... seja para o bem ou... para o mal.

Brienne de Tarh (Gwendoline Christie) e Podrick Payne (Daniel Portman):
 O perigo ameaça cavaleiros (ou cavaleiras) e pajens igualmente...

 Finalmente se concretizado a união de nortenhos, selvagens, dotrakhis e imaculados, graças à aliança e o enlace de Daenerys Targaryen (Emilia Clarke), “a mãe dos dragões” e de Jon Snow (Kit Harrington), o “Rei do Norte”, a trama evolui entre o confronto mais urgennte dos vivos contra os mortos e, dos vivos contra os vivos, uma vez que a rainha Cersei Lannister (Lena Headey, ótima como uma rainha má digna das animações da Disney, ainda que subaproveitada nesta temporada ) dá a sua cartada final para se livrar de seus rivais, fora os momentos “casos de família” por conta da resistência das irmãs Sansa (Sophie Turner) e Arya (Maisie Williams, a nova heroína de ação!) Stark em aceitar Daenerys, aliado ao fato de tanto ela quanto ao relutante Snow (ao qual foi revelado não ser um bastardo, mas o legítimo herdeiro do trono...) serem pretendentes ao Trono de Ferro. Molho para um caldeirão de stress, desconfianças e alianças forjadas nos temores e ambições de cada time jogador. 

Missandei (Nathalie Emmanuel) e Verme Cinzento
 (Jacob Anderson): Arco completo, e breve...


Nos primeiros dois capítulos (desta temporada de seis) vemos a chegada à Winterfell de toda a trupe da coalizão, havendo o posicionamento de todos os personagens no tabuleiro e na preparação para a “mãe de todas as batalhas” da série, servindo para acertos pontuais nos relacionamentos de personagens, como Jaime Lannister (Nikolaj Coster Waldau) e Bran (Isaac Hempstead Wright) que num breve mas eficiente diálogo, o Stark caçula o perdoa por tê-lo aleijado, justamente por esse evento ter levado-o a se tornar o Corvo de Três Olhos.

Lorde Varys (Conleth Hill), Daenerys, Sir Jorah Mormont (Iain Glen):
 As alianças que superam tudo, ou quase...


 Vemos a conclusão do arco amoroso entre Verme Cinzento (Jacob Anderson) e Missandei (Nathalie Emmanuel) com naturalidade, ou a decisão de Jaime, que decide ele mesmo dar o título de cavaleira à Brienne de Tarth (Gwendoline Christie) que não poderia ser um cavaleiro por ser mulher, numa cena de grande impacto, culminando na jornada de dos personagens numa bela cena: Ela por toda sua força e determinação, ele por evoluir de uma das criaturas egoísta e vil para um homem realmente nobre, selando o seu elo, para tristeza de Tormund (Kristofer Hivju) que a disputava descaradamente (embora ao final fique claro que Cersei sempre foi a sua fraqueza, num final digno de Nelson Rodrigues...). Tyrion Lannister (Peter Dinklage) ao longo desta temporada cristaliza a sua transição do cínico desencantado para alguém realmente comprometido com um bem maior.  

Euron Greyjoy (Pilow Asbaek) e Cercei Lannister (Lena Headey): Parceria de ocasião.

Fica evidenciado o crescimento das garotas Stark, sendo a grande surpresa Arya e Gendry (Joe Dempsie) ao se entregarem numa cena extremamente sensual; maturando os personagens, e evidenciando a evolução da garotinha da primeira temporada numa mulher, e guerreira, que ao longo da série nunca havia tido um arco romântico forte. Sansa firma a sua posição como a Lady de Winterfell tal qual fora a sua mãe, a finada Catheryne Stark, resolvendo suas pendências com Tyrion e Theon Greyjoy (Alfie Allen) com quem compartilhou arcos de sobrevivência em ambientes perigosos.  
 
Arya (Maisie Williams) e Gendry (Joe Dempsie) : Um momento forte, belo e inesperado mostrando quando uma menina vira mulher...

Apesar da ajuda de Melisandre (Carice van Houten) a mulher vermelha, (que completa o seu arco) o cerco a Wintefell se dá numa atmosfera de filme de horror, como uma versão medieval de Guerra Mundial Z (2012) transpirando um senso de perigo, pois o realismo extremo das cenas, passadas à noite com cenas super escuras (como seria de fato para quem estivesse realmente neste contexto) cria um clima de angústia e claustrofobia pois deixamos num momento de saber quem pereceu e quem sobreviveu ao confronto, estejam a cavalo, à pé, ou até à dragão...  

Lyanna Mormont (Bella Ramsay): A união dos nortenhos.

Entre mortos e feridos se destacam personagens como Sir Jorah Mormont (Iain Glen) e sua sobrinha Lyanna (Bella Ramsay) e Theon, que completa o seu arco de redenção ao libertar a sua irmã Yara (Gemma Whelan) e proteger Bran dos mortos, num crescendo que parece não ter saída sem um deus (ou deusa) ex machina que tudo resolve no último minuto.

Sandor Clegane (Rory McCann), Sir Davos Seaworth (Lian Cinningham), Sansa (Sophie Turner), Arya e Bram Stark (Isaac Hempstead Wright): Enterrando os mortos porque o problema continua sendo os vivos...


 No computo final nos damos conta de que na primeira metade desta temporada é resolvida a questão do Rei da Noite e dos Vagantes Brancos de forma intensa, mas abrupta, abrindo caminho para aquele que acabou ficando como o conflito final: Não entre os vivos e os mortos, mas entre os vivos e os vivos, deixando aquele gosto de “- Mas acaba assim? Montaram a ameaça num crescendo ao longo de SETE TEMPORADAS, e acaba tudo ao fim de três capítulos???” 

Cersei e Jaime Lannister (Nikolaj Coster Waldau): Errados, mas juntos no final...


Na metade seguinte se dá a investida final em King´s Landing, e neste processo, com as perdas decorrentes das ações de Cersei (que joga pesado sem medir as consequências) e a angústia de perceber que ela não é a predestinada que sempre acreditou ser, fazem cair as últimas amarras que a separavam de sua antagonista, chocando meio mundo com o uso de uma força desmedida, não deixando pedra sobre pedra (literalmente) em sua investida, fraturando neste processo a sua aliança com Snow, Lorde Varys (Conleth Hill), Tyrion, Sir Davos Seaworth (Liam Cunningham) e todos aqueles que eram suas âncoras morais e que garantiam com que ela não perdesse de vista os seus ideais. 

Amuralha da cidade é um obstáculo, mas não um problema...


Nessa linha de “agilidade e desenvolvimento”, figuras como Sandor Clegane, “O Perdigueiro” (Rory McCann) soluciona as suas pendências com “Montanha” (Hafthor Julius Bjornsson) o seu irmão de forma apoteótica, enquanto outros como Euron Greyjoy (Pilou Asbaek) e Qyburn (Anton Lesser) se despedem na medida que deixam de ser necessários à narrativa. 
 

Os efeitos visuais são cinematográficos, e caros, mas o que fazer?

 
Jon e Tyrion discorrem sobre os rumos tomados (“O amor é a morte do dever”, diz Tyrion em um momento, citando Aemon Targaryen (o finado Peter Vaughan numa das primeiras temporadas). “Às vezes, o dever é a morte do amor”, como responde Jon, citando o mesmo. e ao final ambos tomam uma decisão pelo bem maior, assumindo as consequências por seus erros de julgamentos passados, e neste processo o roteiro nos mostra o quanto líderes carismáticos e messiânicos, que acreditam terem sido incumbidos da missão de libertar os povos, “Para comandar todo o mundo” (como observa Tyrion) numa Jihad ininterrupta (vide o “Estado Islâmico”...) no intuito de “levar a sua luz a todos”, tende a “libertar” os povos na base do fio da espada, esmagando à ferro e fogo (seja de dragão ou da liberação indiscriminada do acesso às armas de fogo...) transformando o “quebrar a roda e libertar os povos, criando um novo mundo, que será bom”, apenas no criar de uma nova roda, que começará a dar as suas voltas sangrentas.  
 

Esta cena, acredite se quiser, foi profetizada por "Os Simpsons"...

 É em momentos, como quando Daenerys, entre as ruínas da Fortaleza Vermelha, encara o trono de ferro ou quando ela clama a seus comandados que a sigam em sua guerra santa que a série mostra o que o gênero fantástico tem de melhor: A alegoria. impossível não ver naquela figura ariana de cabelos platinados (quase uma Walquíria tamanho mignon) enquanto exorta seus soldados dothraki e imaculados (que batem com suas lanças ritmicamente no chão) que a sigam para “libertar todos os povos” (sei...), um paralelo com o avanço da extrema direita neste nosso mundinho tão pouco fantasioso, em que ideias falsas são plantadas na mente das massas, jogando o bom senso às favas.  
 
Tyrion Lannister (Peter Dinklage) e o peso da decisões a serem tomadas...
 
No final deste bloco, Drogon acaba protagonizando o melhor, e o mais emblemático momento do episódio, novamente revelando na alegoria uma sabedoria insuspeita. Dragões são bem mais do que bestas irracionais, que sentem quando é o momento de dar o adeus e ir para longe...  
 
Arya, despida de super-habilidades, testemunha os horrores
 de uma guerra como qualquer pessoa comum ...
 
 Algum tempo depois (que miraculosamente não terminou num banho de sangue colossal...) ao se reunirem os membros sobreviventes das casas, Tyrion faz um discurso apaixonado em defesa de que o próximo rei não seja alguém convencional, sujeito a cometer os mesmos erros do anteriores, mas alguém, que conhece toda a história. 
 

Totalitarismo: Ao combater o inimigo, corre-se sempre o perigo de tornar-se o seu sucessor.

-“Quem seria melhor para comandar o nosso futuro?”, ao afirmar que são as histórias que unem o mundo e as pessoas, sendo elas a representação da conexão do passado com o futuro, levando os presentes a aceitar Bran (por suas habilidades como corvo de três olhos) como o legítimo rei de Westeros, que faz de Tyrion sua Mão (conselheiro). Sansa decide que o Norte será independente, e assim todos os remanescentes do clã Stark seguem cada qual o seu rumo, seja ele para a glória ou para o ostracismo, deixando que os sobreviventes como Bronn (Jerome Flynn) e aqueles mais adequados como Samwell Tarly (John Bradley) que miraculosamente sobreviveu a tudo com Gilly (Hannah Murray) ao seu lado, escrevam as páginas da história, fazendo ele, um papel de alter-ego do próprio George R. R. Martim, numa brincadeira de meta linguagem. 
 
 

A partir daqui, não acompanhamos a "Mãe dos Dragões" no céu,
 mas sim, aqueles que ela destrói no chão...

Ao final percebemos que a decisão de reduzir o número de episódios da temporada cobrou o seu preço, pois se o encerramento foi bom, a execução em muitos momentos deixou a desejar, apressando arcos, conclusões e reviravoltas,que caso se mantivesse um número maior de episódios, (10 provavelmente seria o ideal) poderia compartimentar-se melhor todas as narrativas, deixando até mesmo as reviravoltas questionáveis e ”coelhos tirados da cartola”, mais digeríveis e ajustados no ritmo narrativo. Mas infelizmente o peso orçamentário, que a cada temporada foi ficando cada vez mais mastodôntico, guiou nesta direção que apesar de tudo ainda fechou coerentemente a saga de Westeros, pelo menos até surgirem os inevitáveis derivados (já está programado um spin-off com Naomi Watts).

 
Os atos grandiosos na maioria das vezes se resumem a matar e destruir de forma brutal...

Podemos dizer que ao final da trama nos deparamos com a constatação de que Daenerys Targaryen foi construída de maneira similar ao Dr. Adam Kelno (Anthony Hopkins) do seriado QB VII (1974) dirigido por Tom Gries, baseado no livro de Leon Uris, onde o médico polonês e marido fiel além de pai dedicado, é perseguido pelos comunistas, tendo se exilado no Oriente Médio fazendo uma grande obra humanitária, é acusado pelo repórter Abraham Cady (Ben Gazzara), um marido infiel e tipo arrogante, de ter mutilado judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

 
Clegane e seu irmão, o "Montanha" (Hafthor Julius Bjornsson) final apoteótico...
 
O caso vai parar nos tribunais do Reino Unido (o QB VII do título) e após árduo e longo processo, quando achávamos que o repórter escroque ia perder, surgem provas da culpa do médico, que castrou centenas de judeus saudáveis a mando da SS. A série é um soco no estômago por, o tempo todo acompanhar os dois personagens, mostrando o lado humano do médico e o lado insensível do repórter e da mesma forma acompanhamos a caminhada de Daenerys sempre vendo o seu ponto de vista, aceitando a sua dualidade de líder carismática mas implacável com seus inimigos (que diga-se de passagem, não eram mesmo grande coisa) e a virada se dá quando vemos as consequências de seus atos do ponto de vista das pessoas comuns, no chão correndo da onda de fogo e destruição que ela, montada em seu dragão, provoca em seu rastro messiânico. 
 
Tormund (Kristofer Hivju), Samwell Tarly (John Bradley), Gilly (Hannah Murray) e Fantasma, o lobo. A importância de sobreviver e contar a sua própria história...
E assim, entre erros e grandes acertos com valores de produção irretocáveis terminou um dos marcos da TV moderna, mudando paradigmas, a estrutura e o modo de como consumir e produzir o veículo, tal qual o fizeram Twin Peaks e Arquivo X nos anos 1990 e Lost na segunda metade da década passada. O que virá depois de Game of Thrones só o futuro dirá, além dos inevitáveis spin-offs, tentando expandir e manter viva a marca. Se serão bem sucedidos, só os deuses poderão dizer... No mais, valar morghulis, valar dohaeris e dracarys meu povo! 
 
 
"E a força aérea sempre terá vantagem sobre a marinha!!!"
 
 

Crítica - Filmes: Tolkien



Sonho, mito, linguagem

por 

Ronald Lima 


Cinebiografia  encanta apesar de imperfeita 




“Um Mundo no qual sua mente pode entrar. Nele, tudo o que ali encontrar e lhe for relatado será verdade. Esse Lugar está de acordo com leis que lhes são próprias. Portanto, acreditará você estar dentro dele.”   

 J.R.R.R.Tolkien

John Ronald Reuel Tolkien mais conhecido pela abreviação J.R.R.Tolkien, abreviação um tanto extensa também. Essa citação acima era uma das tantas definições a que Tolkien tentava teatralizar na imaginação de leitores e possíveis novos leitores o que ele mesmo denominava de “Mundo Secundário”.

Apesar de ter dado início em 1937 comThe Hobbit, foi somente após o lançamento da trilogia de "O Senhor dos Anéis" em 1954 e 1955, que Tolkien passou a ser conceituado por milhões de fãs. 


Contra capa e Capa da 1ª Edição de "The Hobbit" em 1937.

Nos anos 60 sua obra chega aos E.U.A. e a partir desse ponto se consagra de vez para um certo desconforto por parte do autor pois a todo instante não paravam de lhe enviar propostas de roteiros e adaptações diversas para cinema e teatro, tentativas várias para entrevistas e toda loucura que a grande mídia pode “oferecer” sempre educadamente recusadas (poucas exceções). O mundo literário foi muito influenciado por Tolkien. Muita gente boa se diz abertamente inspirada por J.R.R. Tolkien: Isaac Asimov, Neil Gaiman, J.K. Rowling com o genial Harry Potter, George R.R. Martin de Game of Thrones (Como não seria? Não é mesmo?!), Stephen King e sua Torre Negra, Marion Zimmer Bradley e As Brumas de Avalon (Claro!) e seu amigo C.S. Lewis autor de As Crônicas de Nárnia. Black Sabbath, Uriah Heep, Led Zeppelin, RUSH, Genesis, Pink Floyd, Blind Guardian, Nigthwish, Sabaton, Dimmu Borgir e sabem sei lá quantas mais bandas e grupos os deuses da música ouviram. Até álbuns baseados em Tolkien. Há a incrível história da bronca que o renomado autor tinha contra os Beatles por esses quando ainda ensaiavam e eram tão somente um bando de vizinhos barulhentos que incomodam sua querida Edith. Já famosos, John Lennon lhe propôs filmar O Senhor dos Anéis com direção de Stanley Kubrick e ouviu um sonoro “não”. Deviam ter feito uma música e ficados quietos já que nessa época Tolkien ainda mantinha os direitos de autor e vetaria alguma composição deles também. Tanto ele quanto C.S.Lewis desdenhavam Walt Disney, embora ambos considerassem a animação o veículo mais adequado à adaptação de suas obras.  


Christopher Wiseman (Ty Tennant), Geofrey Smith (Guillermo Bedward), Robert Gilson 

(Albie Barber) e sentado J.R.R.Tolkien (Harry Gilby): A Sociedade do Anel - Hellheimer!

 
“Uma das minhas opiniões mais veementes é de que a investigação da biografia de um autor é uma abordagem inteiramente vã e falsa de suas obras”      J.R.R.Tolkien.

 

Tolkien (2019) é dirigido pelo diretor finlandês Dome Karukosk, cuja biografia conta com uma boa bagagem de curtas, sendo esse seu 1º grande trabalho (penso que a sua origem e o grande apreço que J.R.R. Tolkien tinha ao finlandês, o motivo inicial para a sua escalação para a empreitada) que apoiado no bom roteiro de David Gleeson e Stephen Beresford, que de forma nada linear e didática (fato que seria monótono e até “normal” em uma biografia...) acompanha a sua trajetória de vida de jovem sonhador, passando por sua própria “jornada do herói” até a consagração no amor, e no meio acadêmico e literário como um dos grandes pilares da literatura fantástica.

 


As paisagens campestres que Tolkien habitava: Condado?

  A direção de fotografia está a cargo de Lasse Frank Johanessen, provavelmente por ter trabalhado junto ao diretor em alguns curtas, Lasse foi diretor de um clipe para a cantora islandesa Björg Black Lake. Uma boa escolha, pois Lasse consegue uma agradável paleta de cores durante todo o filme, sendo sua bela fotografia um bom fator de imersão, como nas cenas de guerra usando muito vermelho nos delírios de um atormentado Tolkien (Nicholas Hoult, eficiente como sempre), o que em uma tela menor pode ficar escuro demais, dificultando a compreensão visual do quadro.

 


A guerra de trincheiras: Com as "bençãos" de Sauron...

 

 O filme se concentra em 3 momentos da vida de Tolkien nos fazendo pensar que o tempo todo ele já tinha tudo na cabeça do que surgiria incrivelmente mais a frente. Vemos sua infância, juventude e o início da vida adulta, sendo a juventude que mais ocupa a narrativa, conduzindo especificamente a realização das obras de Tolkien, o que pode fazer parecer forçado, mas felizmente não é assim que acontece, apesar de ficar essa impressão. Esses 3 momentos também podem ser divididos em 3: A guerra, os amigos e seu namoro com Edith Brat . Um quase 4º arco que se faz começar mas é interrompido, seria o convívio de Tolkien com o Professor Joseph Wrigth (o ótimo Derek Jacobi ), falha que poderiam ter melhor resolvido caso o roteiro e a edição lhe desse maior espaço, delineando alguém fundamental na vida do autor, porém sendo o seu curto tempo de cena, significativo.

 


Uma 1ª Guerra enfrentado Smaug.

 

 Os primeiros fãs de Tolkien eram extremamente radicais na proteção a qualquer adaptação que fosse das obras do autor, o que impediu diversas tentativas e as poucas que escaparam a esse exagero não ganharam muita divulgação. De verdade o que de fato valia era a obra em si e nenhuma adaptação. Mantidas como uma obra sacra, o próprio Tolkien assim a preservava. Vemos nessa cine biografia vários momentos que fazem mais alusão à trilogia de Peter Jackson do que a algum possível relato do autor. Sabemos que a experiência durante a Grande Guerra foi impactante, o filme coloca esse impacto em imagens fantásticas: A Terra de Ninguém é o próprio Reino de Mordor ou algum desafortunado Reino que Sauron devastou, em referência aos 3 filmes, certamente uma busca aos fãs recentes que ainda possam ser estimulados a buscar mais informações sobre a obra e ao próprio Tolkien, uma biografia autorizada cedida por Tolkien em 1967 ao biografo Carpenter Humphrey está sendo relançada pela Casa dos Livros Editora. As agruras enfrentadas nas trincheiras chegam a uma quase exatidão em referência a cenas dos filmes de Peter Jackson. Ali encontramos um febril e obstinado Tolkien junto a um fidelíssimo soldado de nome Sam (coincidência não?). Tomaram de grande liberdade ao lidar com o tema da Guerra, numa tentativa de entrar na mente do autor. Tolkien sobreviveu a uma das mais sangrentas batalhas vividas pelo exército inglês, a Batalha do Somme na França. Em igual peso para os ingleses seriam as 3 Batalhas de Ypres (19/10 - 30/ 11/1914; 22 -25/05/ 1915; 31/07 - 06/11/ 1917).


Tolkien criou uma lenda, e deveria saber que lendas não possuem proprietário.


Em flashbacks extensos vamos descortinando detalhes pontuais sobre sua vida. Ele e o irmão foram grandemente afortunados por terem Mabel Tolkien (Laura Donnelly) como sua mãe . Recém viúva, ela recebe ajuda do padre espanhol Francis Xavier Morgan (Colm Meaney, o Chefe O’Brien de Star Trek: A Nova Geração e Deep Space Nine) e decidem seguir para a Inglaterra. O ator, que encara bem o papel de um autêntico jesuíta sempre muito preocupado com a educação, é outra boa fortuna com que Tolkien foi agraciado. É sua mãe quem conduz Tolkien e o irmão a esse mundo de contos de fadas, quase literalmente pois é capaz de narrar uma história de dragões com direito a uso de uma Lanterna Mágica, em lindas imagens em uma pequena e significativa sequência. Tolkien e seu irmão serão beneficiados por todo esse cuidado que recebem da mãe e do padre Francis. A percepção de que Tolkien tem um talento nato para lidar com o estudo e com idiomas irá lhe colocar nos melhores locais de ensino de uma ainda vitoriana Inglaterra, apesar de sua origem humildade e de ter nascido na atual África do Sul que no início do séc. XX seu domínio estava dividida entre ingleses e holandeses. Tolkien nasceu na República do Estado Livre de Orange um Estado de Origem Holandesa, porém sua família era inglesa, Tolkien irá receber um ótimo ensino.

“Através da Arte. Mudaremos o Mundo através da Arte.”    

 J.R.R.Tolkien



Tolkien (Nicholas Hoult) o poeta Geoffrey B. Smith (Anthony Boyle), o pintor Rob Gilson 

(Patrick Gibson) e o músico Christopher Wiseman (Tom Glynn-Carney).

 Somos Amigos ♪♫ Amigos do peito ♪♫ Amigos de uma vez ♪♫ Amigos de vocês ♪♫


Tolkien (cuja pronúncia, é "Tól.. Quin") e seus 3 amigos realmente fundaram o T.C.B.S. que em português traduz-se para Clube do Chá e Sociedade Barroviana . Barrow’s era o nome da “lanchonete”onde os 4 se reuniam desde a adolescência para escapar de seus destinos já traçados por suas famílias, destino inglório e comum na opinião de seus 3 amigos. Aspiravam sonhos mais nobres porém menos rentáveis na opinião de seus ausentes e abastados pais, sutilmente lembrando A Sociedade dos Poetas Mortos (1989) de Peter Weir. Hellheimer era um grito de desafio e auto-afirmação diante de tudo e todos que os fizessem sentirem-se menores. E nunca pronunciado de modo correto por Rob Gilson (Albie Marber / Patrick Gibson), mesmo sendo esse o 1º com entusiasmo a incorporar o brado retumbante. A amizade é sincera com direito a essa turminha aprontar mil e uma confusões recheada com diálogos cativantes em citações a se perder à peças, contos, quadros e música de um pouco de tudo que rolava na Inglaterra início do séc. XX.


Edith Brat (Lilly Collins): Sempre sob as árvores.


Tolkien e o irmão Hilary conhecem Edith Brat (Mimi Keene, adolescente e Lilly Collins já uma jovem mulher). Os irmãos são adotados na casa da Sra. Faulkner (Pam Ferris) e dela recebem tutelagem a pedido do padre Morgan. Edit Brat já estava ali residindo no solar dos Faulkner quase sempre a entreter sua tutora ao piano. O namoro dos dois não vem de imediato apesar da paixão a 1ª vista de Tolkien (garotos!). Não sabemos se de fato Edith será a 1ª a questionar J.R.R. Tolkien sobre o significado das palavras e não apenas a sonoridade delas e criação de idiomas como era muito do gosto de Tolkien desde a infância, Tolkien gosta de criar palavras como a Emília de Monteiro Lobato e brincar com a sonoridade delas, mas uma palavra precisa ter uma história por trás para de fato ser algo de valor segundo Edith. Segundo o próprio Tolkien, ela lhe serviu, sim, de inspiração para a deusa elfa Luthien em sua obra Silmarillion ao vê-la dançar sob um bosque enquanto namoravam.

 
Tolkien e Edith: Um amor de mente, corpo e espiírito, na paz e na guerra...

 A forma como é mostrada o namoro dos dois é muito bonita, mostrando uma paixão dos sentidos e do intelecto, revelando a admiração mútua por qualidades particulares e respostas a questionamentos, até quando brigam é um relacionamento interessante pois quase não parece uma briga. No filme é dela a paixão por Wagner e O Anel dos Nibelungos (inspiração para o Um Anel), sendo que ela também sentia-se presa a um destino (como a maioria das mulheres da época) e ansiava sair dele tal qual os amigos da T.C.B.S. É incrível ver como o protagonista extrai de sua tristeza e de suas dificuldades o que há de melhor em si, superando as adversidades enquanto dá vida ao que sempre esteve ali em sua mente. 


"- Um anel para a todos comandar..."


Nas idas e vindas da memória entre bombas e Nazguls ameaçadores, junto a Edith, ele constrói uma família e caminha em direção à construção de uma carreira, ganhando o título de Professor em Oxford. Vamos aí descortinando o que seria seu trampolim para a vida adulta e acadêmica: O Professor de linguística Joseph Wrigth surge de modo muito prosaico na vida de J.R.R. Tolkien e em pouco tempo confirma e lhe trás um maior significado para tudo que estava há muito tempo sendo apenas rascunhado, apesar do seu pouco tempo em cena Wrigth irá de fato coloca-lo em um rumo, é o momento “Hellheimer” de Tolkien, vale a pena ver um senhor tão aguçado e espirituoso a seu modo.


A amizade entre Tolkien e o Prof. Joseph Wright (Derek Jacobi) 

é fundamental para a sua vida acadêmica.


 Wrigth era muito admirado pela escritora Virgínia Wollf e segundo depoimento do próprio Tolkien: “- Eu agora em 1963 sei que era perfeitamente a verdade, a chave para o comportamento dos dons”. Após um bloqueio criativo enorme para a escrita, Tolkien encontra sua inspiração nos laços de sua eterna irmandade, o T.C.B.S., o que inspira à criação do famoso O Hobbit, sendo emocionante ver sua criação sendo compartilhada com seus filhos com tanto entusiasmo e com uma pitada de nostalgia.
 
 

"-Poderia me preparar um texto com 5000 palavras em Gótico Medieval para hoje a noite?"

 

Tolkien aposta em tom solene para explorar a gênese de suas maiores obras, e enfatizar a sua genialidade, embora falhando, em partes, para entregar isso. Apesar de tudo, é um filme que emociona, alegra os fãs por suas referências, arrancando lágrimas do telespectador facilmente em seu clímax. O longa vale a pena por seu tom despretensioso encantando até quem não é um admirador das obras famosas. 


“Num buraco no chão vivia um Hobbit”... Hum, seria um bom começo para um livro?!?
 


 

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