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Crítica - Filmes: Dolittle




Diga: Roar!!! Au! Au! Có! Có!...


por Alexandre César


Robert Downey Jr. brilha, mas não ofusca Rex Harrison 

 

Clássico da Sessão da Tarde: A versão de 1967.


John Doolittle é um médico que fala com os animais. Dado crucial do personagem criado pelo autor de livros infantis Hugh Lofting (1886 – 1947) e que legou-lhe uma legião de fãs, que vibraram quando seu personagem favorito ganhou as telas em O Fabuloso Doutor Dolittle (1967) dirigida por Richard Fleischer (20.000 Léguas Submarinas) com Rex Harrison (My Fair Lady) com Samantha Eggar (O Colecionador) em uma produção requintada para os padrões da época (apesar de muitos números musicais demasiado longos) e tendo Harrison se tornado a encarnação definitiva do personagem, que popularizou os livros e ainda gerou uma série animada da DePatie-Freleng* que quem assistia ao Capitão Aza na TV Tupi (lá estou eu de novo entregando a minha idade...) deve se lembrar.


A versão animada da DePatie-Freleng de 1970.


Edddie Murphy e a "modernização" do conceito em 1998.


Veio a década de 90 e Eddie Murphy, egresso do sucesso de O Professor Aloprado (1996) emplacou em 1998 a sua adaptação da história para um contexto urbano contemporâneo, jogando a fleuma britânica para escanteio e colocando no lugar a malemolência típica de seu intérprete, criando uma franquia tão duradoura quanto a da família Klump, mas alguma coisa havia se perdido. Talvez fosse bom voltar às origens...


Robert Downwy Jr. e a nova versão, mais fantasiosa e aventureira.

Diagrama: Dolittle e seus parceiros animais (vozes originais).

Dirigido por Stehen Gaghan (Syriana – A Indústria do Petróleo) Dolittle (2020) traz agora novamente John Dolittle (Robert Downey Jr. fazendo o que faz melhor: interpretar Robert Downey Jr.) resgatando a ambientação vitoriana e fantástica, com visual de ilustração de livro infantil, abraçando a fantasia sem pruridos realistas e felizmente não cedendo à vontade de fazer um musical (coisa que impediu a versão de 1967 de ser perfeita) e apoiado nos recursos da moderna tecnologia digital, deixou para trás as fantasias de espuma, marionetes e animais amestrados dos anos 60 para criar personagens relacionáveis e realisticamente convincentes, para um contexto fantástico.


Quando Sua Alteza, a Rainha Victoria (Jessie Buckley)
 chama, o bom doutor atende...


Mestre e aprendiz: O jovem Tommy Stubbins (Harry Collett)
 vê Dolittle como um exemplo a seguir...

O roteiro de Stehen Gaghan, Dan Gregor (Mother Mary), Doug Mand (The Comedians), Chris McKay (Lego Batman: O Filme) a partir do script de Thomas Shepherd (a partir dos livros de Lofting) logo de cara num ótimo desenho animado nos conta como John Dolittle conheceu e casou-se com a bela e destemida exploradora Lily (Kasia Smutniak de Perfeitos Desconhecidos, aparecendo em flashbacks) formando um casal feliz até a sua morte num naufrágio, que partiu o coração de John, e o fez tornar-se recluso em sua enorme propriedade, presente da jovem Rainha Vitória (Jessie Bucley de Judy: Muito Além do Arco-Íris) que manda a sua sobrinha Lady Rose (Carmel Laniado de A Christmas Carol) procurá-lo por estar adoentada. Neste trajeto seu caminho cruza com o do jovem Tommy Stubbins (Harry Collett de Dunkirk) que vê em tornar-se ajudante do médico de animais o objetivo de conquistar o seu lugar no mundo. Os dois jovens desenvolvem uma afinidade mútua.


Lord Thomas Badgley (Jim Broadbent) e o Dr. Blair Müdfly 
(Michael Sheen) querem se livrar de Dolittle e seus 
associados, incluindo Lady Rose (Carmel Laniado)...


O cruel Rei Rassouli (Antoni Banderas) pai da falecida 
Lily culpa Dolittle pela morte da filha...

Dolittle volta à ativa ao descobrir que o título de sua propriedade está vinculado a um decreto real, que pode ser revogado com a morte da rainha, e ao examiná-la com os seus métodos pouco ortodoxos, descobre que a soberana está morrendo envenenada, sendo o antídoto o suco da fruta da Árvore do Conhecimento e assim a trupe parte para uma viagem, sendo seguido de perto pelo antigo rival dos tempos de faculdade Dr. Blair Müdfly (Michael Sheen de Good Omens com o típico visual de vilão de cinema mudo) a manddo de Lord Thomas Badgley (Jim Broadbent, Oscar por Moulin Rouge: Amor em Vermelho) que trama tomar o poder e livrar-se da Rainha. No trajeto Dolittle deverá ter um acerto de contas com o Rei Rassouli (Antonio Banderas de A Máscara do Zorro em ótima caracterização) pai de Lily e que o culpa pela morte da filha. Peripécias não faltam para testar o grupo, numa aventura divertida embalada pela música de Danny Elfman (A Noiva Cadáver) que é correta mas não é o seu trabalho mais memorável, permeando o ritmo da edição de Craig Alpert (Deadpool 2) que dinamiza a narrativa ora acelerando, ora dando pausas estratégicas, mas nunca parando de fato o desenrolar da trama.


O Dr.Blair Müdfly é o típico vilão de filme mudo que se 
veste de preto, amarra a mocinha na linha do tren e fica
 rindo e cofiando os bigodes...

Ralph Fiennes se destaca como Barry, o sinistro
 tigre com traumas psicológicos...

Como adição ao elenco temos o vasto time animal do filme, fruto dos efeitos visuais em CGI e captura de movimento das empresas Clear Angle Studios (serviços de cyber escaneamento fotogramétrico), Framestore, Host VFX, Lola Visual Effects, Luma Pictures, Monkeyshine, Moving Picture Company (MPC), Proof, Stereo D, que contaram com as vozes de Poly, a arara (Emma Thompson de Walt nos Bastidores de Mary Poppins) o braço direito do bom doutor; Chee-Chee o gorila (Rami Malek de Bohemian Rapsody) que sofre de síndrome de pânico; Yoshi, o urso polar (John Cena de Descompensada) que não gosta de frio; Plimpton, o esquilo (Kumail Nanjiani de MIB: Homens de Preto Internacional) que narra sua história como um detetive noir; Dab-Dab, a pata (Otavia Spencer de Ma) com uma perna de pau; Jip, o cão (Tom Holland de Homem-Aranha: Longe de Casa) que auxilia nos diagnósticos; Betsy, a girafa (Selena Gomez de Monte Carlo); Tutu, a raposa (Marion Cotilard, Oscar por Piaf: Um Hino Ao Amor); Kevin, a libélula (Craig Robinson de É o Fim); Barry, o sinistro tigre (Ralph Fiennes de O Grande Hotel Budapeste) com traumas psicológicos e um Dragão (Frances de la Tour de Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1) que sofre de problemas gástricos, entre outros. Haja bicho...

A direção de arte, a fotografia e os efeitos visuais compoem
 um mundo visualmente rico, digno de um livro infantil ilustrado...

O elenco animal com suas personalidades bem definidas
 agradarão a crianças e velhos, que se identificarão
 com um ou outro...


Os figurinos de Jenny Beavan (Mad Max: Estrada da Fúria) ajudam a compor o Dolittle de Downey Jr. como uma síntese de Tony Stark com Sherlock Holmes e com o Chapeleiro Louco, o Dr.Blair Müdfly de Sheen como aquele vilão tipo Dick Vigarista**que cofia os bigodes e o Lord Thomas Badgley de Broadbent como o hipócrita pomposo que arma os ardis pelas costas mas se faz de cidadão de moral ilibada (coisa tão comum atualmente...) ou o Rei Rassouli de Banderas como um cruel Rei Pirata de desenho animado de uma ilha oriental, mais divertido do que mau.

Tommy Stubbins e Lady Rose (Carmel Laniado): Deu Match...

A fotografia de Guillermo Navarro (O Labirinto do Fauno) valoriza em sua colorida palheta de cores luminosas, este mundo que o desenho de produção de Dominic Watkins (Branca de Neve e o Caçador) e a direção de arte de Gary Tomkins (Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2), Paul Laugier (Cinderela), Matthew Gray (Alexandria), Ravi Bansal (Distrito 9) entre outros criam, detalhado pela decoração de sets de (Cavalo de Guerra) que dá atenção aos mínimos detalhes de utensílios e adereços de cena presentes em cada cenário e locação.

Apesar de bom, Robert Downey Jr. não supera Rex Harrison...

Ao final do filme saímos satisfeitos por ver um filme-família que não carrega a pretensão de ser mais do que isto, e em que pese o fato de Downey Jr. fazer bem o seu trabalho, ainda não supera a performance de Rex Harrison, apesar de no computo final o filme ser melhor do que a versão de 1967, cujo principal problema era ser um musical com números muito longos (coisa que as produções de Walt Disney sempre driblaram muitíssimo bem) resgatando o aspecto lúdico do personagem, que pede bem mais uma ambientação de “num outro local e numa outra época” do que o tempo atual para cativar...

"-Ser ou não ser: Médico ou Chapeleiro?"

*: Estúdio responsável pelos desenhos de A Pantera Cor-de-Rosa, O Inspetor, Super Seis, Bom-Bom & Mau-Mau, A Formiga e o Tamanduá entre outras adoráveis velharias.

**: Vilão do desenho A Corrida Maluca da Hanna-Barbera.



Crítica - Filmes: O Chamado da Floresta

Walt aprovaria
por Alexandre César

Harrison Ford e a nova visão do clássico de London 


O autor Jack London.
Soava um chamado das profundezas da floresta e, tão frequentemente quanto ouvia esse chamado – que emocionava e seduzia de forma misteriosa – sentia-se compelido a dar as costas para a fogueira e a terra batida ao redor dela ao mergulhar na floresta, cada vez mais longe, sem saber para onde nem porque; nem com isso se surpreendia, pois o chamado soava imperiosamente, nas profundezas da floresta”.
(Chamado Selvagem p.83)


Clark Grable na versão de 1935.

Publicada em 1903 (inicialmente em formato de folhetim) O romance Chamado Selvagem (The Call of the Wild ) deu fama mundial a Jack London (1876 - 1916) sendo talvez um dos romances mais difundidos da literatura norte-americana, se passa no vale do Rio Klondike, no Canadá, durante a corrida ao ouro de 1897*e narra as aventuras de Buck, um privilegiado cão doméstico de uma família californiana que é roubado de seu ambiente e contrabandeado para o Alasca em meio à febre do ouro, sofrendo uma série de maus-tratos, até que encontra refúgio em uma irmandade de cães tornando-se um cão de trenó e, assim como os corajosos garimpeiros, vê-se na necessidade de se adaptar à vida selvagem. Buck entra em contato com sua natureza primitiva, em uma jornada de autoconhecimento, e redescobre seus instintos e ao final, foge e acaba liderando uma alcateia de lobos.


Cartaz da versão de 1972.

O romance, obviamente tinha tudo para interessar a Hollywood, que levou-o às telas e mais tarde à TV e vídeo esta história vigorosa atraente para adultos e crianças, plena de lições de vida, sendo as mais lembradas, a primeira versão Call of the Wild (1923) de Fred Jackman com Jack Mulhall, O Grito da Selva (1935) de William A. Wellman com Clark Grable e Loretta Young e Catástrofe nas Selvas (1972) de Ken Annakin com Charlton Heston e Michèle Mercier entre várias outras**.


Charlton Heston na versão de 1972.

Agora, sendo uma das derradeiras produções da 20th Century Fox neste período da compra do estúdio pela Walt Disney Company (agora rebatizada como 20th Century Studios) temos uma nova repaginação desta história, usando recursos de ponta para caracterizar pela primeira vez corretamente a descrição do autor quanto à seu protagonista***.


E o rato comeu a raposa...

Estreando na direção de live-action, Chris Sanders (Os Croods) e auxilado pelo roteiro de Michael Green (Logan) O Chamado da Floresta (2020) consegue ser o melhor “filme da Disneynão feito pela Disney, lembrando muito os episódios que passavam nas tardes de sábado na programa Disneylândia, que passava na Rede Globo**** na década de 1970 e não fazendo disso um defeito, mas sim uma qualidade, num filme visualmente belíssimo e envolvente para todo aquele que curtia uma aventura-família, realizado de forma que o velho Walt aprovaria, sabendo dosar risos e lágrimas competentemente. É um produto? É! Mas sabe sê-lo de forma correta.
 

A versão atual, com um protagonista digital.

O primeiro arco mostra a vida boa do grande e estabanado Buck, que como o pet monstruoso do Juiz Miller (Bradley Whitford de Corra!) e sua esposa Katie (Jean Louisa Kelly de Homem-Formiga) é um verdadeiro terremoto de quatro patas (um verdadeiro ancestral do cão Beethoven tal é a sua capacidade de provocar o caos) e por ser o típico “bom cachorro grande e bobão” é facilmente enganado e roubado, sendo traficado para o Alasca, onde leva a sua primeira surra para aprender obediência, indo parar no bando de cães puxadores de trenó do bondoso Perrault (Omar Sy de Intocáveis) e sua companheira Françoise (Cara Gee de The Expanse) que entregam a correspondência naqueles postos das cidades da região, lutando contra o relógio para entregar e pegar os malotes no horário. É particularmente legal o momento quando Perrault diz ao cachorro que “eles não carregam cartas, mas vidas”, e quando, pela primeira vez (graças à força de Buck) eles chegam no horário, a bela fotografia de Janus Kaminski (O Resgate do Soldado Ryan) e a edição de David Heinz (Vida de Adulto) e William Hoy (Planeta dos Macacos: A Guerra) fazem a câmera passear mostrando as pessoas lendo as mensagens de seus familiares, amores, amigos, lembrando para nós destes tempos de What´s App, Telegram, Video conferências e etc... o quanto era grande o investimento emocional numa simples carta de papel, escrita à mão, e entregue por meios físicos por meio de cavalos, trens, navios, cachorros. Ao longo deste arco ele cruza ocasionalmente o caminho com John Thornton (Harrison Ford de Blade Runner 2049 ainda em boa forma para a sua idade, mas já parecendo um “vovô Indiana Jones”) homem solitário e amargurado pela perda de seus filho único para uma gripe (naquela época um resfriado podia ser fatal) e nestes encontros e estabelece uma forte empatia.


O casal Perrault (Omar SY) e Françoise (Cara Gee): 
O homem do Sul dos EUA e a esquimó, ou "Inuiti"...

A direção felizmente opta por não fazer animais falantes, usando o recurso tradicional de um narrador em off que vai contando a história e revelando a subjetividade de Buck, um bom uso de CGI e captação de coreografia de movimentos do artista de captura de performance Terry Notary (O Rei Leão) graças aos efeitos visuais da Moving Picture Company (MPC) e Technoprops que tornam os animais críveis em termos de fotorrealismo mas dando sutis elementos expressivos em seu protagonista canino e no seu “avatar” que assume o aspecto de uma silhueta fantasmagórica de um lobo que só Buck percebe e vai guiando sua jornada de crescimento conforme ele vai abandonando o seu estilo doméstico e entra em contato com a sua herança primitiva e desenvolvendo os instintos até ficarem à flor da pele, sendo que o seu embate com Spitz, o líder dos cães e seu antagonista (e o único membro da matilha, além dele, com algum destaque) o momento divisor de águas na história, pois antes dele acompanhamos um Buck totalmente dependente de sua antiga criação e após o embate, vamos seguindo as pegadas de uma criatura que passa a conhecer as suas raízes.


O "creoule" Perrault vê o potencial de Buck e acredita nele...

Posteriormente os telégrafos chegam e o serviço de cartas por trenó é desativado, obrigando Perrault a vender os cachorros e ir embora, triste. Pouco depois a matilha é vendida ao dândi vigarista Hal (Dan Stevens de Legion) que força os cachorros até a exaustão, sendo Buck salvo da morte por Thornton, passando a ser seu dono. A simbiose entre os dois acaba levando-os a uma jornada rio abaixo, onde o homem reencontra a paz de espírito e o cão, o pertencimento ao mundo natural que buscava, tendo ambos em seu encalço um rancoroso Hal, que os culpa pelo seu fracasso (embora ele tenha ignorado os avisos de Thornton e dado com os burros n´água) e deseja vingança.


A medida que aprende a seguir o seu instinto Buck
 vai crescendo como dono do seu focinho...

Temos rápidas participações de nomes como Karen Gillan (Jumanji: Próxima Fase) e Michael Horse (Twin Peaks) entre outros, mas são tão rápidas que quase não os identificamos, mas o importante mesmo é a jornada de Bucke de Thornton, até que o cão encontre o seu lugar na paisagem natural e se torne uno com ela, coisa que é sublinhada pela música de John Powell (Como Treinar o Seu Dragão 3)


Buck e Thornton (Harrison Ford) cruzam o 
caminho um bom número de vezes...

Dentre os valores de produção destacam-se o desenho de produção de Stefan Dechant (Bem-vindos a Marwen) aliado à direção de arte de Desma Murphy (Homem de Ferro 3), Andrew Max Cahn (Amor Sem Escalas), Jason T.Clark (Capitã Marvel) e Iain McFayden (Star Trek: Picard) e a decoração de sets de Danielle Berman (Aquaman) compoem bem a diferença de mundos, contrastando as casinhas bonitas coloridas e confortáveis da ensolarada Califórnia com as cidades mineiras feitas num improviso feio e rústico, alternado casebres de madeira e tendas, sem estilo em função da funcionalidade no ambiente inóspito, bem como os figurinos de Kate Hawley (Máquinas Mortais) define este contraste nos trajes da família do Juiz Miller, com os casacos costurados de Perrault e da esquimó Françoise, que é mais alinhada, ou os trajes andrajosos de Thornton que contrastam com os figurinos “almofadinha”de Hal e seus amigos, que não deixam dúvidas sobre “quem está no lugar errado”...


A dupla embarca numa grande aventura...

Ao final O Chamado da Floresta consegue aliar uma narrativa clássica num modo de fazer cinema contemporâneo de forma divertida (que provavelmente será um estouro quando for para o streaming) que agradará as crianças e fará os adultos refletirem sobre questões universais de amadurecimento, lealdade e ser fiel a si mesmo e ousar buscar o seu lugar no mundo, coisas que ainda tocam fundo em nossos corações, sejamos cachorros ou não...


Buck e Thornton: Um encontra a comunhão
 com a natureza e o outro, a paz de 
espírito e a fortuna...




*: Em 1896, enormes pepitas de ouro foram encontradas, no Alasca , na confluência dos rios Yukon e Klondike. A descoberta do cobiçado metal nesta região inóspita fez com que hordas de norte-americanos juntassem suas economias e rumassem ao norte, na tentativa de enriquecer. Para sobreviver em meio ao frio, era necessário levar provisões abundantes e cães fortes para puxar trenós, o único meio de transporte confiável. London (o mesmo autor de Caninos Brancos) tentou a vida no garimpo em 1897, tendo a sua vivência no período servido de base para narrar neste romance e, entre uma e outra aventura de Buck em uma das paisagens mais hostis do globo, levando o leitor a reavaliar seus princípios de civilidade, lealdade, a sobrevivência individual ou em grupo, o amor à natureza e ao que ela oferece, (apesar de a duras penas) a capacidade de adaptação e a coragem necessária para sobreviver frente aos perigos e aos oponentes, entre vários outros conceitos de valor que são passados no romance.

**: Na Televisão tivemos The Call of the Wild (1976) de Jerry Jameson com John Beck, 
Call of the Wild (1992) de Michael Toshiyuki Uno com Ricy Schroeder, The Call of the Wild: Dog of the Yukon (1997) de Peter Svatek com Rutger Hauer e  Call of the Wild (2000) série de David Fallon, com Nick Mancuso.

***: Buck sempre foi mostrado nos filmes e séries como um Pastor-Alemão, ou um Ruskie, ou mestiço assemelhado com essas raças (por questões de comodidade pois muitas vezes animais dessas mesmas raças eram usadas para se passarem por lobos) mas Jack London descrevia em seu livro Buck como sendo um mestiço de São Bernardo (por isso muito grande) com Pastor Escocês, uma raça similar à dos cachorros de Pastoreio australianos, e o filme mostra no grupo de seu trenó essa diversidade racial de cães, na maioria roubados e vendidos para esse trabalho brutal.


****: Muitos desses episódios eram antologias com o próprio Walt Disney como host, apresentando compilações de desenhos de curta metragem ou cenas das animações clássicas tendo um tema em comum para ter uma coerência narrativa ou ainda produções feitas para o cinema nas décadas de 1950 e 60 que eram editadas em episódios de 45 – 60 minutos, na maioria aventuras baseadas em clássicos da literatura como Rob Roy, O Príncipe do Donnegal, ou as comédias para a família com atores como Fred McMurray, Dick Van Dyke ou ainda séries feitas diretamente para a TV, sendo a melhor delas As Aventuras de Gallegher, ambientada em 1889 onde o jovem Gallegher (Roger Mobley) aprendiz do jornal Daily Press sonhando em se tornar repórter, mete-se em várias aventuras.



Jessica Steele-Sanders no lançamento do filme
 com seu marido, o diretor Chris Sanders e Bucley,
 o cachorro do casal cujo escaneamento serviu
 de modelo para o CGI de Buck.



Crítica: - Séries: Star Trek: Discovery - 1ª Temporada




Ao se olhar no espelho, o que te olha de volta?

por Alexandre César

Entre trancos  barrancos a série se impõe

Compilação das matérias publicadas originalmente em 05/ 10/ 2017,30/ 11/ 2017 e 20 02/ 2018 na página do Facebook.



Gene Roddenberry: o homem por trás do conceito de Star Trek


No vídeo Viver sem medo, ao responder sobre utopias, o historiador uruguaio Eduardo Galeano lembra sobre uma resposta de seu amigo, o cineasta argentino Fernando Birri, a uma pergunta a ele feita. Para que serviam as utopias? Afinal elas habitam o horizonte – a medida que você avança, elas se afastavam na mesma velocidade, permanecendo inatingíveis, pois esta é a natureza delas. Na realidade as utopias não existiriam no plano material, prático, servindo de matéria-prima dos poetas e de todo aquele tipo de gente que não costuma ter uma história de vida estável, segura e com carteira assinada.



A Capitã Philippa Georgiou (Michelle Yeoh) e Michael Burnham (Sonequa Martin-Green): sete anos de aventuras que só deveremos ver nos produtos do universo expandido


Eugene Wesley Roddenberry (1921-1991) ao longo de sua vida como piloto de aviação na segunda guerra mundial e piloto comercial na Pan Am -, como policial e como roteirista e produtor televisivo, procurou, ao seu modo, criar a sua própria utopia, que lhe permitisse discutir temas e ideias que lhe eram caras. O resultado dessa busca, incorporando várias contribuições de terceiros e fruto de vários embates pessoais, veio ao mundo com o nome de Star Trek.

A U.S.S. Shenzou, a primeira nave em Michael serviu, por 7anos.


E tantos anos depois - e após tantas transformações no conceito, fruto das mudanças no mundo e na própria forma de ver e conceituar séries e filmes - tivemos agora o encerramento da primeira temporada da última encarnação da franquia - Star Trek: Discovery, que levantou polêmicas (para variar...), sendo abraçada por parte do fandon e odiada por outra parte. No frigir dos ovos, independente do resultado, lá do Nexus, Rodenberry deve estar feliz de ver que os frutos de sua obra continuam suscitando reações tão apaixonadas, mesmo estando sempre "às portas da morte"* .
 

Família: Amanda (Mia Kirshner), Sarek (James Frain) e Michael Bhurman...


Fruto do esforço, entre outros, de Bryan Fuller (que já deixou a série), Alex Kurtzman e Nicholas Meyer (Jornada nas Estrelas II - A Ira de Khan, de 1982; Jornada nas Estrelas VI - A Terra Desconhecida, de 1991), a série se propõe a ser um prequel da fase mais conhecida da franquia, ambientada dez anos antes das jornadas de Kirk, Spock e Mc Coy. 

 
A U.S.S. Discovery, que inicialmente parecia ter ligações com a sinistra "Seção 31"...


Apesar de irritar os fãs mais xiitas, a série se mostra mais canônica do que parece à primeira vista, atualizando alguns conceitos que, ou estavam datados ou pouco desenvolvidos na série e nos filmes originais, como o katra vulcaniano, o uso de hologramas ou o próprio visual dos uniformes e do design da cenografia das naves, que transpira um aspecto mais tecnológico, fruto de um orçamento (8,5 milhões de dólares) por episódio que qualquer série dos anos 60 jamais imaginaria vir a ter. Isso possibilitou inclusive mostrar de forma convincente uma criatura (o tardígrado* ) vista inicialmente como monstro – Context Is For Kings (Episódio 3) - num episódio do tipo "o monstro da semana", digna de Arquivo X ou dos filmes da franquia Alien, e depois revelando que a sua natureza era outra – The Butcher’s Knife Care Not For The Lamb’s Cry (Ep. 4). Isto é o espírito de Star Trek.

Saru (Doug Jones) a "face alienígena" da série: Ótima presença, mas ainda sub-aproveitado...


Refletindo o espírito de inclusão - tão em voga, mas que a franquia sempre abraçou - temos Michael Bhurman Rainsford (Sonequa-Martin-Green), uma protagonista feminina e negra que não é Capitã da nave e está fraturada emocionalmente, fazendo uma grande esforço para encontrar "a parte que lhe cabe nesse latifúndio" a bordo da U.S.S. Discovery (NCC-1031), sendo esta jornada uma montanha-russa de desafios e superação em relação aos seus fantasmas pessoais, quanto à sua criação em Vulcano sob os cuidados de Sarek (James Frain) quanto ao lidar com o sentimento de culpa por sentir-se responsável pela guerra entre a Federação Unida de Planetas e o Império Klingon e pela morte de sua antiga capitã e amiga Phillipa Georgiu (Michelle Yeoh), quando era primeira oficial na U.S.S. Shenzon. Esta jornada nunca foi "uma estrada de tijolos amarelos"...
Somente no terceiro episódio, é que conhecemos a U.S.S.Discovery, elaborada a partir da atualização de um design original de Ralph McQuarrie (designer conceitual da trilogia clássica de Star Wars) criado para Star Trek - Phase II, continuação da série original, um projeto que deveria ter ido ao ar na década de 70, mas não vingou. 


A heterogênea tripulação, como em toda a série de "Star Trek"...


A tripulação da nave, que inicialmente parecia sinistra, rapidamente se revelou uma equipe em processo de maturação, com todos dando o melhor de si para se tornarem oficiais de ponta da Frota Estelar, com um forte senso de “família” entre eles, destacando-se Saru (Doug Jones,ótimo, embora pouco aproveitado) o alienígena-símbolo da série, a simpática alferes Sylvia Tilly (Mary Wiseman), o engenheiro-chefe Paul Stamets (Anthony Rapp) cujo conceito do "motor de sporos"*** gerou polêmica, e seu companheiro, o Dr. Culber (Wilson Cruz) ficando os outros tripulantes mais como parte do cenário...


T´kuma (Chris Obi) o líder que reunifica os klingons contra a Federação.


E temos o Capitão Gabriel Lorca (o ótimo Jason Isaacs, que rouba cada cena em que aparece) cuja postura de capitão tradicional "estilo naval", lembra a dos comandantes dos sécs XVIII e XIX, como o Capitão Cook ou os fictícios Horatio Hornblower (protagonista de uma série de romances navais de C.S.Forrester), ou o Capitão Jack Aubrey (da série de romances "Mestre dos Mares" de Patrick O´Brian, que inspirou o filme de Peter Weir de 2003 com Russel Crowe). Tais capitães tinham bastante autonomia em suas longas viagens exploratórias e usavam-na de acordo com a sua personalidade, prática esta que ele exerce, ora autocrático, ora paternal, conduzindo seus tripulantes a satisfazerem os seus objetivos como uma máquina bem azeitada.


Parecem orcs de "O Senhor dos Anéis", mas são klingons...
 

Algumas coisas ficaram estranhas, como o núcleo narrativo dos klingons, que se esperava ter um peso maior na saga, dando mais detalhes de sua sociedade e lançando novas luzes sobre a espécie. Mas, para decepção geral, a atenção dada entre eles ficou restrita a poucos personagens. Além disso, o novo visual deles, mais alienígenas agora (com figurinos pouco práticos para guerreiros), nos faz pensar que, para surgir uma interação que produza uma mestiça como a Be´llana Torres de Star Trek: Voyager, o humano incauto terá de ingerir uma dose industrial de cerveja romulana para encarar a fêmea em questão. Mas deixemos o preconceito de lado.


Michael e a amiga SylviaTilly (Mary Wiseman) se enturmam com  Ash Tyler (Shazad Latif): Deu match?


A adição ao elenco do Ten. Ash Tyler (Shazad Latif) – Choose Your Pain (Ep. 5) - introduziu dúvidas e mistério quanto a suas origens e motivações, bem como o surgimento do icônico Harkon Fenton Mudd (Rainn Wilson), numa caracterização menos camp em relação à versão original da série clássica, mas igualmente picareta, retornando pouco depois – Magic to Make The Sanest Man go Mad (Ep. 7) -, serviu de respiro, aproximando-nos mais da série clássica, quando se achava que  Star Trek: Discovery estaria desconectada de suas raízes, ficando dark em demasia.

Mas tivemos momentos memoráveis de inclusão, como quando vemos um casal gay escovando juntos os dentes enquanto conversam sobre os acontecimentos do dia de forma trivial. Sem beijinhos ou glamurizações, mas extremamente eficaz e concisa, mostrando que “inclusão” não é necessariamente “confrontação”. 


Inclusão: O casal Dr. Culber (Wilson Cruz) e Paul Stamets (Anthony Rapp) mostrou naturalidade sem panfletarismos...


Com o acirramento da guerra, Lorca mostra saber jogar o "xadrez" do poder para conseguir o que quer, ora estimulando, ora pressionando e manipulando (Nicolau Machiavel aprovaria). Mas, apesar de não ser o tipo ideal que a Frota Estelar quer, Lorca com certeza se mostra o tipo de capitão que ela precisa naquele momento: Aquele que vence guerras embora flertando com o perigo, pois, como ele mesmo disse a Michael: "- O regulamento é para as pessoas comuns, o contexto é para os reis!".

Mas que objetivos são estes? James Tiberius Kirk e (principalmente) Jean-Luc-Picard discordariam de seus métodos, principalmente pela revelação de suas origens e propósitos reais. 

James T. Kik (William Shatner), Jean-Luc Picard (Patrick Stewart) e Gabriel Lorca (Jason Isaacs): Estilos bem distintos de comandar...


A primeira metade da temporada se focou na guerra “Federação Unida dos Planetas x Império Klingon”, terminando com um salto surpreendente da U.S.S. Discovery para o lendário Universo Espelho – tema de episódios de várias séries da franquia -, onde, ao invés da progressista Federação, temos o cruel e belicista Império Terrano (ou Terrestre), no qual as contrapartes de nossos heróis são, na maioria das vezes, o seu oposto moral e ético. Nunca houve um arco de episódios (cinco) tão longo passado neste universo. Dialogando com o atual momento global, onde o sectarismo e o conservadorismo estão em ascensão, ele serviu para mostrar a verdadeira mensagem da temporada: O que você quer ser? Qual a sua escolha? Cooperação, inclusão e abraçar o outro, aceitando que suas diferenças - que não são defeitos (nem qualidades), apenas características - ou separar, excluir, combater e dominar aquilo que não bata com suas concepções de moral, sexualidade e religião? Que líderes você resolve seguir? Aquele que acena para o entendimento ou aquele que te manda para guerra com a mesma indiferença que faz acordos com aqueles que te exploram de fato?



Capitão Gabriel Lorca: postura de antigos e lendários comandantes da marinha inglesa e, "algo mais"...


Nunca o Império Terrano, com a sua direção de arte à la Flash Gordon, serviu tanto de metáfora para as nossas escolhas. Vemos, por exemplo, que Voq, o líder klingon que no “nosso” universo prega a manutenção da “pureza” e a busca da unificação de sua espécie através da guerra com a Federação, no Universo Espelho ele é o grande líder da coalizão dos povos alienígenas contra a opressão terrestre. Isto nos remete à uma das questões do mundo islâmico, onde você vê a polarização entre as interpretações pacifistas dos princípios de Maomé e a ação de extremistas como os do ISIS – o Estado Islâmico. Nesta série, os klingons (que na série clássica representavam a União Soviética e o Pacto de Varsóvia) também nos remetem a esta mesma questão, nos lembrando que boa parte dos ocidentais vê o Islã como um “outro universo”, cheio de mistérios e diferenças. E vemos que uma ideologia pode ser usada tanto para unir quanto para afastar os povos. Quando você se olha no espelho, o que você vê? E quem te olha de volta?



A polêmica e mastodôntica versão do tardígrado em Star Trek - Discovery: navegador biológico


Contudo, a partir da metade da 1ª parte da Temporada o ritmo da edição dos episódios ficou mais picotado, aparentemente num esforço de acelerar a trama, mas que prejudicou certos arcos narrativos. Todos os centrados nos klingons em especial, deixando-os truncados e na sua resolução com pouca empatia emocional ou entendimento da situação****



Império Terrano no Universo Espelho: O que você vê?


No final da temporada, apesar de corrido e um pouco morno, fica evidente a mensagem dos autores colocada pela própria Michael de que não devemos abrir mão de nossos princípios nem nos momentos de desespero, pois é justamente quando tudo parece ruir que somos mais testados. E se cedemos, caímos numa espiral decadente e iremos nos perder cada vez mais e mais como naquele verso da música “Ideologia”, de Cazuza:  “ Os meus sonhos estão todos vendidos! / Tão barato que eu nem acredito... / que eu nem acredito! ”
Esta foi a trajetória desta primeira temporada de Star Trek: Discovery: Correr pelos rumos distópicos que a ficção científica televisiva e cinematográfica tomou nestes anos pós-11 de setembro, sacudindo e abalando os conceitos e cânones do universo de Star Trek, para, ao final, abraçá-los com força e convicção como que estivesse dizendo: “- É isso que eu sou! É isso que eu escolho ser!”. E, apesar de tudo isso soar velho e datado, é isto que seus fãs sempre gostaram e levou Star Trek audaciosamente aonde nenhuma outra franquia jamais esteve, ou estará. A cena final com o encontro da U.S.S. Discovery com a U.S.S. Enterprise, sutilmente repaginada (de forma muito melhor do que nos filmes de J.J. Abrams), mostra isso de forma sutil e elegante, firmando a adesão da série ao cânon*****. E o quanto ela o enriqueceu mais ainda!



Os efeitos visuais são de qualidade cinematográfica, mostrando naves e batalhas em riqueza de detalhes...


Voltando ao vídeo de Eduardo Galeano e a sua resposta à pergunta “Para que servem as utopias, já que elas nunca serão alcançadas? ”. Elas servem para nos manter caminhando para tentarmos sempre ir adiante do quadro presente. Não precisamos de Star Trek para acreditar que um dia teremos a Federação Unida dos Planetas. Precisamos de séries como esta para nos servir de parâmetro ético e nos alertar sobre a possibilidade de surgir entre nós um Império Terrano do universo Espelho, a Primeira Ordem de Star Wars ou um dos vários Impérios galácticos totalitários, não importando a sua roupagem. 


"-É assim que se repagina um ícone da FC J.J.Abrams!!!"




*: Não faz muito tempo, muitos diziam: “- Star Trek está morta! ”. Na realidade, muitos disseram isso quando a série original terminou em 1969. No lançamento de Jornada nas Estrelas – O Filme (1979, dirigido por Robert Wise), o primeiro filme baseado na série, disseram que seu ritmo lento e arrastado "matou Star Trek". Quando a Frota Estelar foi militarizada em Jornada nas Estrelas II – a Ira de Khan (de 1982, dirigido por Nicholas Meyer) novamente falaram: “- Star Trek está morta!". Em 1987, quando o próprio Gene Rodenberry, criador da série original, lançou o segundo seriado da franquia - Jornada nas Estrelas – A Nova Geração -, houve quem falasse: "- Sem Kirk, Spock & McCoy e com um capitão careca?!? Star Trek está morta!". Quando, em 2005, foi cancelada Jornada nas Estrelas – Enterprise, a quinta série da franquia, disseram: "- Star Trek está morta!". Quando J. J. Abrams reiniciou a franquia nos cinemas repaginando o conceito para o público do novo milênio em Star Trek (2009, quando deixaram efetivamente de traduzir seu nome por aqui), disseram mais uma vez: "- Star Trek está morta!". E agora, para não sair do padrão, quando se anunciou e começaram a surgir as imagens da nova série Star Trek - Discovery, novamente alardearam "- Esta não é a série que eu lembro. Star Trek está morta!". Donde concluímos que que a série está "morta" nada mais natural do que ter uma protagonista egressa de The Walking Dead...



**: O sistema de propulsão por esporos e o uso de um “navegador biológico” (o “tardígrado” e depois, o próprio Ten. Stamets) criou a sua dose de polêmica por parte dos mais ortodoxos, que o batizaram de “pó de pirlimpimpim” em clara referência a Peter Pan, de J. M. Barrie, ou O Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato. Isto ocorreu por considerarem o uso dos esporos um artifício “muito viajante”, similar ao uso da “especiaria” em Duna, de Frank Herbert. Mas o conceito de dobra espacial nos anos 60, especulada com base na Teoria da Relatividade, parecia também algo “viajandão”, até os matemáticos o conceituarem como teoricamente possível. Então... Lembremo-nos que mostrar apenas “mais do mesmo” só por ser canônico não tem a ver com o espírito desbravador de Star Trek, afinal onde fica o “audaciosamente indo” ?

***: Baseado nas pesquisas do Dr. Paul Stamets (homenageado no personagem da série) a partir de observações através do telescópio Hubble, interligamos conceitos da Biofísica Quântica, estudando a matéria, a energia, o espaço e o tempo. Somos apresentados a um elo entre a Física e a Biologia, que nos remete a uma a rede de cogumelos e fungos da Terra (o tal “Micélio”) que serve de modelo para a rede de estruturas que permeia o espaço-tempo (a “Cosmic WEB”), interligando todos os objetos a nível cósmico, possibilitando verdadeiros “túneis” de matéria escura. Seriam as estradas, veias, músculos e demais componentes do universo. Uau! Não sei se Gene Rodenberry ficaria fascinado com isso (provavelmente...), mas o Rei Jack Kirby soltaria rojões com esta conceituação teórica: “Assim como é em cima é em baixo”, a simetria entre o Microscópico e o Macroscópico.

****: Exemplo disso é o momento estranho da tentativa de fuga da almirante Cornwell (Jayne Brooke) da nave klingon Si Vis Pacem, Para Bellum (Ep. 8) -, que ficou com parecendo um quadro de Os Trapalhões (só vendo...). Outro exemplo ocorre neste mesmo episódio, que seria para expandir Saru enquanto personagem, mas deixa muito a desejar neste quesito.

*****: Podemos dizer que, a despeito dos problemas, o saldo é positivo, lançando novas direções para a franquia com o estilo de série em longos arcos (em oposição ao estilo de episódios auto-contidos da maioria das séries anteriores). Mesmo com a concorrência de The Orville, uma série humorística com produção de Seth McFarlane (Family Guy) que emula visual e narrativamente Star Trek: The Next Generation e que está atraindo os fãs canônicos que apenas anseiam por mais do mesmo. Coisa similar ocorreu nos anos 90 quando Star Trek: Deep Space Nine concorria com Babylon 5, série de J. Michael Straczynski. São séries com muitas semelhanças estruturais e narrativas, mas todos saíram ganhando, pois cada uma a seu jeito possui ótimas narrativas de ficção científica, aventura, intriga política e especulações místico-filosóficas. Com uma honesta e saudável concorrência ninguém sai perdendo, afinal o opositor é só “o outro time”, não “o inimigo”.




Os fãs mais nostálgicos ainda tem a web-série Star Trek – Phase II (também chamado de Star Trek – New Voyages): um produto bem acabado com uma fidelidade extraordinária as premissas originais da franquia e que conta com o apoio e participação de vários membros do cast de atores, roteiristas e produtores da série dos anos 60. Um produto feito por fãs e para fãs da velha geração. 



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