Páginas

Crítica - Filmes: Os Órfãos



Deu a louca...


por Alexandre César 



Boa produção naufraga em roteiro fraco

 

Página da primeira edição, em capítulos na Collier´s Weekly em 1898.

 


Originalmente publicado entre 27 de janeiro a 16 de abril de 1898 na revista inglesa Collier´s Weekly a novela A Outra Volta do Parafuso de Henry James (1843-1916) tornou-se um clássico da Literatura Gótica, no subgênero Histórias de Fantasmas, ao narrar de forma detalhada e ambígua a trama de uma governanta que cuidando de Miles e Flora, duas crianças na Mansão Bly, uma antiga residência, num lugar remoto de Essex, na Inglaterra, e ela começa a perceber que aquela habitação é assombrada pelo espírito de Ms. Jessel, sua predecessora e o de Peter Quint, um empregado, indivíduo rude e de índole perversa, com quem aparentemente ela tinha um relacionamento abusivo.


"Os Inocentes" (1961) de Jack Clayton: Ms.Giddens 
(Deborah Kerr) com Milles (Martin Stephens)
 e Flora (Pamela Franklin)

A obra tornou-se, pela forma como é narrada, marco de estudos acadêmicos por permitir diferentes interpretações (um bom número delas auto-excludentes) quanto a real natureza do mal que cerca a mansão e seus habitantes, insinuando ora uma origem sobrenatural, ora o fruto da confusão mental de sua protagonista.


Ms. Jessel (Stephanie Beacham) e Quint (Marlon Brando)
 e seu relacionamento sadomasoquista no prequel 
"Os que Chegam com a Noite" (1971) de Michael Winner.


Adaptada para o teatro (por Harold Pinter na Broadway em 1950 e por Rebecca Lenkiewicz em 2013), ópera (por Benjamin Britten em 1954), balé (por Luigi Zaninelli em 1980 e por Will Tucket do Royal Ballet em 1999) TV (uma adaptação por John Frankenheimer em 1959 entre inúmeras nos Eua e europa) e é claro o cinema, sendo as mais conhecidas, entre as várias versões, Os Inocentes (1961) de Jack Clayton com Deborah Kerr como a governanta Ms. Giddens E Michael Redgrave como o tio das crianças e Os que Chegam com a Noite (1971) de Michael Winner (o Desejo de Matar original) com Marlon Brando como Quint e Stephanie Beacham como Ms. Jessel, mostrando o que seria sido um prequel da trama da obra de James, onde vemos o relacionamento doentio dos dois e sua influência sobre as crianças.


A versão de 2020: Produção conturbada...

Miles (Fin Wofhard) e Flora (Broklynn Price) Fairchild e a 
professora Kate Mandell (Mackenzie Davis): O trio da vez...


Os Órfãos (2020) é aquele típico exemplo de filme assombrado”, tendo começado a sua produção em 2014 no Maine sob o título de Os Assombrados, sob a direção de Juan Carlos Fresnadillo (Extermínio 2) parando logo em seguida, cinco semanas depois por ordem do produtor Steven Spielberg (Jogador N°1) entrando por um hiato até serem retomadas as filmagens, agora na Irlanda em 2018 dirigido agora por Floria Sigismondi (The Runaways: Garotas do Rock) ficando na geladeira por um bom tempo e só agora sendo lançado mas nunca atingindo o seu pleno potencial por alguma “misteriosarazão de bastidores que normalmente sabota diretores promissores do cinema independente quando tentam a sorte no cinema mainstream hollywoodiano, resultando em obras genéricas que trabalham no seguro, e quando a película naufraga o cineasta leva a culpa...


A governanta Ms. Grose (Barbara Marten) parece
 saída de um filme da Hammer...



A trama é ambientada nos anos 1990, pouco após a morte do músico Kurt Cobain, fato usado para situar a trama no tempo, e conhecemos a bela professora Kate Mandell (Mackenzie Davis de Exterminador do Futuro: Destino Sombrio) que indicada pelo colégio em que trabalha, vai dar aulas na casa da fofa Flora Fairchild (Broklynn Price) e do cínico e agressivo Miles Fairchild (Finn Wolfhard de Stranger Things), órfãos que vivem sózinhos na Mansão Bly junto com a governanta Ms. Grose (Barbara Marten de Sanctuary) e mantendo comunicação com o mundo exterior apenas através das ligações telefônicas com a sua amiga Rose (Kim Adis de Krypton) ela começa a ter vislumbres de presenças que vai descobrindo se tratar da sua antecessora, a fantasmagórica Jessel (Denna Thomsen de Euphoria) e do sinistro Quint (Niall Greig Fulton de Legítimo Rei) e gradativamente ela vai sendo afetada por aquele ambiente “carregado e questionando suas percepções.

Miles toca guitarra e bateria, além de ser fã de
 Kurt Cobain, outro "menino perdido"...

a fofa Flora é um achado, com o seu carisma e desenvoltura...


O roteiro dos irmãos Chad e Carey W. Hayes (Invocação do Mal) faz bem em situar a trama numa época moderna, mas não a atual, pois o acesso a celulares e à internet destruiriam o sentimento de isolamento tão necessário a uma trama de casa mal-assombrada para sentirmos o despertencimento da protagonista, que carrega o temor pessoal da condição de sua mãe Darla Mandell (Joely Richardson de Operação Red Sparrow) que vive internada numa clínica psiquiátrica pintando quadros e desenhando compulsivamente com carvão, temas inquietantes para Kate, temerosa de que a condição da sua mãe possa ser hereditária, mas desenvolve pouco os personagens, que só não afundam na bidimensionalidade por obra e graça da diretora e do elenco esforçado, que defendem seus papéis da melhor forma possível.


Gradativamente a auto centrada Kate vai sentindo-se 
desnorteada sobre a realidade à sua volta...

 

A fotografia e o design de produção reproduzem todos os
 elementos de uma narrativa gótica...


A direção de Sigismondi é até boa, embora não genial, dando uma narrativa que, apesar dos tropeços, gradualmente vai mergulhando a segura Kate em incertezas gerados pelo ambiente em que vultos podem ser apenas ilusões de ótica, ou coisas misteriosas e perigosas de fato, cuja fotografia granulada e às vezes escura de David Ungaro (Prece ao Nascer do Dia) mergulham nessa zona do crespúsculo” onde todos os gatos são pretos ou não, auxiliada pela edição de Dwayne Dunham (Twin Peaks) e Glen Garland (As Senhoras de Salem) que até dosam essa sensação de “- Quem têm problemas? O ambiente em que estou, ou eu mesmo?” com cortes que alternam cenas tensas e contemplativas com os inevitáveis sustos, sublinhados pela música de Nathan Barr (Carnival Row) que cria uma boa atmosfera que acompanha os vastos jardins, e seu labirinto, além de elementos típicos que toda mansão mal-assombrada precisa, e que o desenho de produção de Paki Smith (Mary Shelley), a direção de arte de Nigel Pollock (Z: A Cidade Perdida) e a decoração de sets de Justine Wright (Sweetness in the Belly) enchem as paredes e cômodos de espelhos, manequins, bonecas de porcelana, móveis cobertos com lençóis, lagos com carpas, árvores retorcidas nos bosques, etc... todo o conhecido vocabulário formal de uma trama gótica, coisa que contrasta com os figurinos de Leonie Prendergast (A Peregrinação) que coloca Kate vestindo um casaco vermelho, com vestido e trajes laranjas e roxos destacando-a dos habitantes da mansão, ou dando a Milles um suéter castanho de lã de gosto convencional, pertencente a Quint, refletindo a influência obsessora deste sobre o menino.


Cena deletada de provavelmente uma das várias cenas 
de pesadelo ou delírio que permeiam o filme...

Ao final de seus 94 min. Os Órfãos se perde num roteiro pouco desenvolvido e que ousa pouco e o pouco que ousa, o faz de maneira equivocada, levando a crer que como toda produção que se arrasta demais, devem ter havida muitas alterações de roteiro, troca de profissionais, cortes e pressão do estúdio para se fazer um filme o mais comercial possível, eliminando toda e qualquer possibilidade de fazer algo realmente marcante...


"- Filha, se eu estou escrevendo essa carta para você ler, é 
porque eu sou louca... mas se você está Lendo essa carta que 
eu lhe escrevi, é porque VOCÊ É LOUCA!!!"




Crítica - Filmes: Judy: Muito Além do Arco-Íris

Beem debaixo do Arco-Íris...*

 

por Alexandre César 


Renée Zelleweger brilha em filme correto

 

A sedução e a coação do poder: Louis B.Mayer (James 
Cordery) explica à jovem e rebelde Judy Garland (Darci 
Shaw) a sua razão de ser no mundo do entretenimento...


“- Judy, existem milhares de garotas morando no Kansas, algumas delas são até mais bonitas do que você, outras mais inteligentes, mas elas não são Judy Garland. Elas vivem vidas simples e serão donas de casa, esposas de fazendeiros e professoras de escolas primárias, e terão essas vidas até o fim. Você acha que pode ser uma delas e se quiser ir embora para ter a vidade uma delas eu não a impedirei, mas não é uma delas. Elas vivem vidas comuns e como a economia está na lama, a único momento de fantasia que elas tem é quando vão ao cinema ver Judy Garland! Se é isso que você quer eu não a impedirei, pois você é a minha favorita, mas você tem que escolher...”


Assim em certa altura, Louis B.Mayer, o todo-poderoso da Metro-Goldwin-Mayer (Richard Cordery de Um Amor de Estimação numa caracterização que parece uma mescla de John Goodman com Imperador Palpatine de Star Wars) dá um sermão (intimidante e falsamente paternal) a sua jovem e rebelde Judy Garland (Darci Shaw de The Bay) atriz mirim, entrando na adolescência que se ressente de ter desde a mais tenra infância um ritmo diário entre aulas de canto, sapateado, interpretação e filmagem dignos de um quartel do exército e não ter tempo de ser uma criança, e mais tarde uma pré-adolescente, querendo poder dormir um pouco mais sem a rotina de pílulas para ficar acordada, para dormir, para emagrecer e (heresia!!!) comer um hambúrger e tomar um milk-shake sem se sentir culpada.

 
Judy com Mickey Rooney em "Sangue de Artista" (1939).


 Neste e nos outros momentos em que a fotografia de Ole Bratt Bierkeland (Animais Americanos) recria a aura do Technicolor da “Era de Ouro do Cinema” Hollywoodiano que percebemos a benção e a maldição que acompanhará a nossa protagonista de cima até muito embaixo do arco-íris...

Lorna (Bella Ramsey) e Joey (Lewin Loyd) Luft e sua mãe
 Judy Garland (Renée Zelleweger): Sem hospedagem por 
falta de crédito após um dia de trabalho...
A caracterização da atriz incluiu próteses faciais e
 dentárias, lentes de contato e peruca...


 Vencedor da 77ª edição do Globo de Ouro na categoria de melhor atriz em filme de drama, Judy: Muito Além do Arco-Íris (2019) de Rupert Goold (A História Verdadeira) traz Renée Zelleweger (a eterna Bridiget Jones) em grande forma (magra e desbotada) como a multi-talentosa (e auto-destrutiva) Judy Garland, a eterna Dorothy do clássico O Mágico de Oz (1940) da “Era de Ouro” de Hollywood, quando imperava o sistema do “Star System” ** dos grandes estúdios, criando toda uma mitologia sobre as suas estrelas, que muitas das vezes pagavam um preço altíssimo pela fama perdendo a sua privacidade e personalidade em função do marketing exigido para promover o mito, num verdadeiro “moedor de carne” de drogas, álcool, casamentos de fachada, ”testes do sofá”, etc...

 
Bernard Delfont (Michael Gambon, o eterno Dumbledore)
 arranja a turnêe londrina da estrela...

 
Na sua juventude na MGM, qualquer canto de cenário
 servia para um cochilo...

Esta produção da BBC Films, Calamity Films, Pathe UK, Twentieth Century Fox, se apoia no roteiro de Tom Edge (The Crown) adapta a peça “End of the Rainbow” de Peter Quilter, que acompanha a rotina do dia a dia de Garland, já numa fase decadente, no inverno de 1968, sempre com a mídia no seu encalço em busca de um escândalo, e inicialmete vemos lutando para manter a guarda de seus filhos Lorna (Bella Ramsey de Game of Thrones) e Joey Luft (Lewin Loyd de His Dark Materials / Fronteiras do Universo) mas por problemas financeiros ela se vê obrigada a deixá-los com o pai, Sid Luft (Rufus Sewel de O Homem do Castelo Alto) do qual se divorciara (de forma meio “atritosa”, dado o seu gênio forte). 

Sua asssistente Rosalyn Wilder (Jessie Bucley) lida com a 
difícil e auto-destrutiva estrela, ajudando-a no possível...

 
Judy se encanta pelo jovem e cativante Mickey Deans 
(Finn Wittrock) que se torna seu empresário 
e.. .dá com os burros nágua...


Mais adiante numa festa em que encontra sua filha mais velha Liza Minnelli (Gemma-Leah Devereux de The Tudors) conhece o jovem picareta Mickey Deans (Finn Wittrock de A Grande Aposta) e embora se encante por ele, embarca para uma turnê de shows em Londres, onde ainda era idolatrada, pois seus excessos já a haviam “queimado” no mercado americano, e como ele diz em certa altura: “- Os ingleses são loucos!”

Sid Luft (Rufus Sewell) seu ex-marido tenta entrar em 
acordo quanto à guarda dos filhos...

Quando tudo sai direito, é uma maravilha para o pianista
 Burt Rhodes (Royce Pierreson) e o resto da banda...

 Na capital britânica, onde o desenho de produção de Kave Quinn (Longe Deste Insensato Mundo), a direção de arte de James Price (Paddington 2) e Tilly Scandrett (Espírito Jovem) e a decoração de sets de Stella Fox (7 Dias em Entebbe) com uma pequena ajuda dos efeitos visuais da Peerless Camera Company reconstroem tanto os ambientes caretas quanto os boêmios da efervescente e louca Londres de James Bond e dos Beatles, e ali Judy dá bastante trabalho para o seu empresário Bernard Delfont (Michael Gambon da cine série Harry Potter) e para a sua assistente Rosalyn Wilder (Jessie Bucley de As Loucuras de Rose) entre momentos de puro brilho, para alívio do músico Burt Rhodes ( Royce Pierreson de Our Girl) que tocava piano na banda do teatro em que se apresentou no Picadilly Circus, e ao longo do filme, onde a música de Gabriel Yared (O Talentoso Ripley) permeia os flashbacks da vida rígida de sua juventude, com seu amigo de tela Mickey Rooney*** (Gus Barry de Mar Negro) e vemos entre os ensaios e suas tentativas de dormir (e não conseguir sem as pílulas...) surgindo momentos mais intimistas como quando ela faz amizade com o casal gay Dan (Andy Nyman de O Passageiro) e Stan (Daniel Cerqueira de A Mulher de Preto) dividindo momentos belamente tristes, revelando o quanto ela querida pelo público queer por identificar-se com os descriminados pela sociedade****. Posteriormente Mickey vai ao seu encontro e os dois casam-se (ele seria seu quinto e último marido) e logo tudo começa a desandar...

O casal Dan (Andy Nyman) e Stan (Daniel Cerqueira) 
representam o amor da comunidade gay pela estrela...

Numa cena em que é entrevistada sua fragilidade 
se mostra no olhar e na voz...

 Mas neste processo apreciarmos a qualidade do trabalho de Renée Zellweger (que nasceu em 1969, o mesmo ano da morte de Garland) que dedicou um ano treinando canto com o coach vocal Eric Veltro antes das filmagens começarem, e sendo trasupervisionada pelo Diretor Musical Matt Dunkley por quatro meses para acertar a sua vocalização, emulando o tom e a projeção de Garland a um padrão muito semelhante ao da origina, coisa que transborda no número final, dinamizada pela edição de Melanie Oliver (A Garota Dinamarquesa) e que figurinos de Jany Temime (da cine série Harry Potter) e o trabalho do Designer de maquiagem Jeremy Woodhead, que estendeu e afilou a ponta do nariz da atriz por meio de próteses de maquiagem, incluindo próteses dentárias, para aproximá-la do perfil de Garland. A ReelEye Company fez lentes de contato de cor castanho escuro que foram usadas para aproximar os icônicos olhos da estrela, e uma peruca foi feita para reproduzir o seu igualmente icônico penteado.
 
o show final, quando ela já está de partida, é uma erupção
 de vida e intensidade, numa despedida comovente...

Mãe e filha: Judy e Liza Minelli...

Ao final o que o filme deixa claro, apesar das simplificações inevitáveis para se condensar a vida da estrela, era que ela era uma artista muito talentosa desde a sua infância, intensa como um vulcão, e talvez por carregar tanta “lava”dentro de si, numa intensidade maior do que ela mesma pudesse segurar acabasse sabotando a si mesma ( em boa parte por causa dos próprios desvios impostos pelo sistema comercial acima dela) por não conseguir encontrar um canal que desse vazão suficiente a tudo que trazia em seu peito, o que a levava a bater de frente com os padrões sociais e as conveniências comerciais vigentes, levando esses choques na sua vida pessoal e amorosa, até a sua morte aos 47 anos. Coisas que costumam ocorrer nesta coisa sem manual de instruções chamada vida...
 
Dorothy (Garland) e Terry, o cão, entre a Bruxa Má do 
Oeste (Margareth Hamilton) e Glinda (Bilie Burke) a fada.



*: Brincadeira com a tradução de “somewhere over the rainbow” (“algum lugar acima o arco-íris”) título e principal verso da canção título de O Mágico de Oz (1940) de Victor Fleming
**: Sistema vigente até o início dos anos 1950, quando os estúdios contratavam os potenciais astros por um período inicial, e investiam maciçamente neles, com aulas de dicção, canto, dança, interpretação e recebiam uma remuneração, além da cobertura na imprensa necessária para promovê-los, num rígido controle de suas vidas pessoais (por exemplo, quem fosse gay tinha de ser discreto, arrumando relacionamentos ou até casamentos de fachada) exigindo muita disciplina. Findo esse contrato inicial, se o ator/ atriz desse retorno em popularidade apresentasse potencial de bilheteria, assinaria outro contrato, mais interessante financeiramente e seria de fato astro do estúdio, e iria renovando até renegociando esse enquanto ele/ a fossem garantia de bilheteria e se não dessem problemas com escândalos, vida desregrada ou qualquer coisa que arranhasse o bom nome do estúdio.
***: Mickey Rooney (1920-2014) foi um muito popular ator mirim e juvenil da década de 30, tendo estrelado a série de filmes juvenis Mickey McGuire e Andy Hardy, no qual Judy Garland era a sua amiga/ namoradinha Betsy, tendo estrelado3 dos 16 filmes da série, e as colunas de mexericos dos jornais da época especulavam se os dois eram ou não namorados fora das câmeras. Ao crescer Rooney conseguiu seguir carreira longeva em comédias no cinema e TV, mas sem o mesmo brilho de sua fase inicial.
****: Judy Garland e sua personagem-ícone Dorothy de O Mágico de Oz são idolatrados pela comunidade gay americana (da mesma forma que a sua filha Liza Mineli, que não apoiou a realização do filme) sendo muito retratada em Cosplays e shows de transformistas, tendo havido na época da guerra fria uma investigação CIA, procurando espiões soviéticos na marinha americana, investigado um grupo suspeito que nas ligações grampeadas sempre se referiam a um ou outro suspeito como confiável por ser “amigo de Dorothy”. Levou um tempo até se descobrir que o que se pensava ser uma célula de espionagem vermelha comandada pela “Codinome Dorothy” era apenas conversa cifrada usando gíria da comunidade pois “Amigo de Dorothy” é o equivalente a “entendido”...
 
E o culto à diva persiste...

 

Crítica - Filmes: 1917



Video game dos infernos


de Alexandre César


Sam mendes e as memórias de seu avô




França, 6 de abril de 1917 (data em que os Estados Unidos declararam guerra a Alemanha e seus aliados) dois soldados de um destacamento do exército britânico são mandados em uma missão secreta urgente através da “terra de ninguém”, trecho entre as trincheiras dos exércitos antagonistas, para entregar ordens para o coronel de um destacamento (o Devons) cancelando o ataque que pretendem executar.



Os soldados Blake (Dean-Charles Chapman) e Schofield 

(George MacKay) são enviados numa missão além das
 linhas inimigas com o perigo a cada poça de lama
 ou cerca de arame farpado, e além...

A inteligência descobriu que os alemães fizeram uma falsa retirada para induzir os ingleses a avançarem no território inimigo e caírem numa armadilha mortal, cabendo aos cabos Blake (Dean-Charles Chapman de Game of Thrones) e Schofield (George MacKay de The Outcast) correr contra o relógio e chegar a temo de impedir que se inicie o ataque fadado ao fracasso e assim salvar 1600 homens de perderem as suas vidas inutilmente.



Primeira Fase: O Gen.Erinmore (Colin Firth) instrui os

 cabos a respeito da sua missão, aconselhando-os
 a não perder tempo...

E começa a corrida contra o relógio...


Dirigido por Sam Mendes (Beleza Americana) 1917 (2020) retrata uma das fases mais cruéis da Primeira Guerra Mundial, a fase da “guerra de trincheiras” em que forças acantonadas ficavam trocando tiros e bombas tentando tirar um da posição do outro e permanecendo na maioria das vezes por dias, semanas, meses ou mais tempo, pagando por cada avanço ou recuo no território inimigo um preço absurdo de vidas dos dois lados, seja por tiros, gás mostarda, lutas de baionetas, bombardeios aéreos ou enfrentando tanques.

Segunda Fase: O Tenente Leslie (Andrew Scott) os aconselha 
a se não puder voltarem atrás, irem numa direção e, rezarem...

A diferença da construção das trincheiras inglesas, todas no
 improviso, para as alemãs, totalmente pré-fabricadas é colossal...



O roteiro de Mendes e de Krysty Wilson-Calms (Penny Dreadful) inspirado nas experiências de seu avô,  “A Autobiografia de Alfred H. Mendes 1897 - 1991” que lutou no The Kings Royal Rifle Corps durante a Primeira Guerra Mundial, o filme é um notável exercício narrativo em que a câmera vai acompanhando o tour dos soldados por entre a “terra de ninguém”, em meio à lama, arames farpados e
carniça humana e animal repleta de moscas, passando por trincheiras alemãs abandonadas, coalhadas de cartuchos de canhão e destroços de tanques, ruínas de cidades, fazendas florestas, em certo momento lembra a jornada surreal de Apocalipse Now (1979) de Francis Ford Coppola, além de, dialogando com as plateias atuais, ter os seus arcos narrativos muito semelhantes aos das fases de um videogame de sobrevivência, tendo a Primeira Guerra Mundial como cenário.


Os alemães sabem construir instalações, e armadilhas...

Quando menos se espera, a morte pode chegar da terra, ou do ar...



O filme conta com nomes conhecidos nas participações especiais que remetem justamente a essas mudanças de fase. O General Erinmore (Colin Firth de Kursk), o Tenente Leslie (Andrew Scott de Sherlock), o Capitão Smith (Mark Strong de Shazam!) o Sargento Sanders (Daniel Mays de Rogue One: Uma História Star Wars) e Coronel Mackenzie ( Benedict Cumberbatch de Doutor Estranho) que tem interpretações corretas, mas nada extraordinárias, cumprindo o seu papel de “mestres de fase”, dando cada um as instruções sobre o que se irá enfrentar naquele cenário, descrições e até conselho sobre como lidar com os outros indivíduos que surgirão no trajeto, cabendo o encerramento da parte emocional da jornada ao encontro final com o Tenente Blake (Richard Madden de Game of Thones) que fecha o arco da “jornada do herói” do filme, que não deixa de ser uma alegoria ao monomito de Joseph Campbel.


Fase Três: O Cap. Smith (Mark Strong) aconselha 
a falar ao Coronel com testemunhas...


A dupla de pouco conhecidos protagonistas seguram o filme com interpretações sólidas, contidas e ao mesmo tempo viscerais, revelando em suas feições juvenis, toda a tragédia de uma geração inteira sacrificada num conflito do qual realmente não compreendem e caso retornem para as suas casas, jamais deixarão de carregá-lo em suas lembranças, traumas e pesadelos, o que numa cena significativa, vemos um pelotão descansando num bosque ouvindo um deles cantando um hino religioso e de forma idílica embalada pela inspirada trilha de Thomas Newman (Wall-E), a câmera vai passando por todos os soldados rosto por rosto, relembrando uma frase de Kurt Vonnegut em Matadouro n°5 quando um personagem diz que  “- A guerra é lutada por bebês...” pois enquanto os soldados mais velhos estão nos quartés-generais tomando as decisões estratégicas, são os jovens, meninos de 16 a 20 anos em sua grande maioria que dão as suas vidas e sangue, como a cena em que um soldado sangra até a morte, empalidecendo a sua face até ficar num tom quase branco como papel (uma realidade médica que muitos filmes omitem quando alguém em cena sangra copiosamente).


E a jornada prossegue, ponte, rio, cachoeira em diante...


A solidão e o medo são companhias constantes...

A bela fotografia de Roger Deakins (Blade Runner 2049) em parceria com a edição de Lee Smith (Dunkirk) e com o auxílio dos efeitos visuais da Moving Picture Company (MPC), Proof exibe cortes ocultos, técnica pela primeira vez vista em Festim Diabólico (1948) de Alfred Hitchcock, e como neste filme, Mendes move a câmera diante de um objeto durante uma cena, como uma árvore ou penetra numa zona escura de um prédio onde a câmera pode parar e recomeçar a filmar saindo do local sem percebermos a edição, graças à fusão imperceptível das passagens, indo de uma palheta luminosa de tons solares diurna a tons avermelhados altamente contrastados numa cena noturna com uma cidade em chamas (a sequência do filme mais parecida com um game) passando de uma steady-cam para uma câmera sobre trilhos, ou uma dolly em uso panorâmico ou a popular “câmera na mão”, passando de uma a outra e mudando de lentes e de maneira “invisível” e assim a experiência é a de um colossal plano-sequência ininterrupto. Haja fôlego!!!


E sempre que se encontra um alemão no caminho...


E às vezes é preciso dar um "salto de fé"...


Os valores desta produção de 90 milhões de dólares se destaca o desenho de produção de Dennis Gassner (Blade Runner 2049) e a direção de arte de Simon Elsley (Aniquilação) Elaine Kusmishko, Nial Moroney ( 
O Retorno de Mary Popins) Rod McLean (A Invenção de Hugo Cabret) e Stephen Swain (Rogue One: Uma História Star Wars) constroem a paisagem desolada e lamacenta da  “Terra de Ninguém” e as trincheiras inglesas, super improvisadas, e as alemãs, construídas com peças pré-fabricadas de concreto muito mais sofisticadas (com direito inclusive à ratos muito maiores...) atestando a diferença tecnológica dos dois países, aliado à decoração de sets de Lee Sandales (Cavalo de Guerra) e os figurinos de David Crossman (Rogue One: Uma História Star Wars) e Jacqueline Durran (Anna Karenina) situando cronologicamente, os personagens em suas fardas gastas e sujas que são usadas dias a fio.

Fase quatro (ou cinco ou seis...) o Col Mackenzie (Benedict 
Cumberbatch) recebe as ordens e...



Fase Final: O Ten. Blake (Richard Madden) recebe

 uma notícia de cunho pessoal...

Ao final 1917 segue a tradição de clássicos como Nada De Novo No Front (1930) de Lewis Milestone,e a premissa básica de Gallipoli (1981) de Peter Weir, ou mais recentemente as séries Band of Brothers ou The Pacific, onde vemos a força dos laços de camaradagem forjados em situações limite, onde em meio à fome, as privações e o medo, os sobreviventes se apegam, independente de terem ou não laços de sangue, como no caso da moça francesa que cuida de uma neném que não é dela, mas como a encontrou abandonada no meio das ruínas, tomou para si a guarda da criança, e concluída a missão, após o cumprimento do dever salvando os seus companheiros da morte certa, tudo se resume à uma rotina de ordens e contra ordens que poderão ou não, ser a diferença entre a vida e a morte de muitos.


-"Cumpriu a sua missão soldado! Agora vá para o inferno

 pois amanhã essa mesma ordem de retirada poderá ser
 revertida para um avanço ou outra decisão qualquer
 mantendo o combate até o fim de todos..."

← Anterior Proxima → Página inicial

Postagens mais visitadas

Pesquisar este blog