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Crítica - Séries: The Umbrella Academy 1ª Temporada



Toda super-família é disfuncional...

 

por Alexandre César 


1ª Série da Netflix\ Dark Horse começa com o pé direito

 


O visual original dos personagens nos traços de Gabriel Bá.


A Netflix sofreu um duro golpe após o cancelamento das séries da Marvel que estão migrando para o Disney +, o serviço de streaming da Disney. Porém, como diz aquele ideograma chinês que pode ser tanto traduzido como “Morte” quanto como “Oportunidade”, a gigante do streaming buscou outras HQ’s do mercado para criar suas adaptações, sendo The Umbrella Academy  a primeira grande aposta do serviço. Inspirada nas HQs do brasileiro Gabriel Bá (Dois Irmãos) e de Gerard Way (o vocalista e ex-líder da banda My Chemical Romance) da Dark Horse Comics.



Sir Reginald Hargreeves (Colm Feore) e Claire 
(Jordan Claire Robbins): O "pai" frio e a doce "mãe"-robô...

 O quadrinho agradou por desconstruir o estereótipo dos super-heróis, numa história cujos personagens são completamente disfuncionais, problemáticos (dignos de Wes Anderson), sendo desde crianças forçados a serem algo para o qual muitos ainda não estavam preparados. A série tinha o enorme desafio de levar a esquisitice que vemos nos quadrinhos para a tela e consegue transferir a atmosfera bizarra dos quadrinhos para os 10 episódios. Inclusive, o que não faltam nos episódios são referências diretas às páginas criadas por Bá e Way. A primeira temporada se baseia arco de origem Suite Apocalipsis de 2008.



O triste e patético funeral do patriarca.


No prólogo da história, 43 mulheres, que não estavam grávidas quando o dia começou, dão à luz 43 crianças. O bilionário e aventureiro Sir Reginald Hargreeves (Colm Feore, com monóculo, barbicha e cavanhaque digno de um personagem steampunk) consegue adotar (ou comprar) sete delas e inaugura a primeira classe da Academia Umbrella, composta por jovens dotados de super-poderes um pouco estranhos. Vemos ao longo de flashbacks os jovens crescendo em um ambiente onde o pai adotivo os enxerga como projetos e 'armas', tendo como único vínculo emocional Claire, a “Mãe” (Jordan Claire Robbins) uma babá -robô. Logo em seguida vamos para o tempo presente, num momento de decadência dos seus personagens, mostrando heróis como “humanos comuns”, com problemas típicos de uma família, para lá de disfuncional, revelando adultos traumatizados, rancorosos, magoados e ressentidos com o passado e o pai, mais preocupado com o treinamento e o comportamento dos filhos, do que simplesmente em demonstrar algum tipo afeto por eles. O roteiro (às vezes alucinado como algo de Douglas Adams) acerta ao desenvolver isso, numa trama de ritmo lento, mas progressivo, com arcos instigantes e ótimas reviravoltas, alternando ação, aventura, comédia ou romance ao longo de todos os seus episódios.  


O "caçula" Número Cinco (Aidan Gallagher) reúne Violet
 (Ellen Page), Allison (Emmy Raver-Lampman), Klaus 
(Robert Sheehan), Luther (Tom Hooper) e Diego
 (David Castañeda) para salvar o mundo.

Procurando fugir dos clichês de super-heróis, não espere ver “grandes poderes que vem com grandes responsabilidades”, uma vez que os personagens vêem seus poderes da juventude como maldições ao longo da vida adulta: Klaus, o Número Quatro (Robert Sheehan), que comunica-se com os mortos, usa drogas para silenciar as vozes do além; o gigante Luther, o Número Um (Tom Hopper de Black Sails) foi o único que buscou abraçar o heroísmo, mas o resultado foi tão doloroso e por não conseguir se conectar com ninguém além dos irmãos, e se isola na Lua após toda a sua família debandar do lar. Diego, o Número Dois (David Castañeda), é um solitário que passou sua vida tentando sair da sombra de Luther, mas as feridas profundas que ele carrega de uma vida inteira como um lobo solitário criam um arco comovente.Vanya, a Número Sete (Ellen Page) se sente um “patinho feio” por não possuir poderes como os irmãos; Allison, a Número Três (Emmy Raver-Lampman) destrói a própria vida ao abusar do seu poder de manipulação mental, sendo o único membro da família que parece tentar aprender com seus erros do passado, e sua relação com Luhter e Vanya dão o mais próximo que teremos de uma família.

 
Violet e Pogo (Adam Godley) o chimpanzé alterado 
genéticamente, um feito da Weta Digital.


 O seriado ressalta a falta de domínio de habilidades e o pouco autoconhecimento de cada um, deixando claro a todo momento que todos esses defeitos de relacionamento familiar são frutos da criação de um pai repressor, frio e autoritário, mostrando como a busca pelo perfeccionismo na infância cria adultos com mentalidade tóxica de competição e autodepreciação.

O apocalipse será em uma semana...


Anos depois, com a morte do pai, os sete membros da famosa equipe precisam se reencontrar e se juntar para resolver um problema trazido pelo Número Cinco (o ótimo Aidan Gallagher) que voltou após uma longa ausência no futuro: Impedir o fim do mundo.


Os agentes Hazel (Cameron Briton) e Cha-Cha (Mary J. Blige)
 caçam Número Cinco para "A Comissão", misteriosa agência...

Gallagher é de longe o melhor ator de toda a série. O ator de 15 anos captou a maturidade necessária para o personagem, já que ele viaja pelo tempo-espaço, mantendo a aparência infantil. Vanya, apesar de ser claramente o ponto central da trama (e ter o dobro de sua idade) parece mais nova tamanha a autoridade que ele exerce perante seus irmãos, cuja interação é mais convincente do que o mistério em si. É mais divertido descobrir as forças que uniram e separaram a equipe do que tentar decifrar as pistas que os levam ao apocalipse. 

Direção de arte e fotografia constroem um universo 
ficcional sólido aliado à uma narrativa vertiginosa.


Número Cinco é caçado por Cha-Cha (Mary J. Blige) e Hazel (Cameron Britton) agentes de uma organização chamada A Comissão, que gerencia os acontecimentos do espaço tempo,agindo nos bastidores da história de forma sutil, quase casual, gerenciada pela misteriosa Handler (Kate Walsh), que possui poderes tão grandes que a tornam virtualmente imbatível, quase como um Deus. O arco dos agentes é interessante, bem violento e divertido ao acompanhar a dupla quando discutem coisas triviais como o sentido da vida e questões trabalhistas (até um agente espaço-temporal precisa se preocupar com essas coisas...).


A formação original: Bonitos e sorridentes por fora,
mas fraturados e carentes por dentro...
Outros personagens que se destacam, são a detetive Eudora Patch (Ashley Madekwe), antigo amor de Diego, Agnes (Sheila McCarthy) a garçonete idosa que se envolve com Hazel, numa grande surpresa pela sua diferença de idade (normalmente sempre colocam o homem como o mais velho...) e Leonard Peabody (John Magaro), o interesse amoroso de Vanya, cujas consequências do seu relacionamento lembra A Saga da Fênix Negra clássico dos X-Men da dupla Chris Claremont e John Byrne.

Números Três, Um, Quatro, Dois e Sete: Combinação familiar disfuncional.

The Umbrella Academy sofre da velha mania da Netflix de manter entre 10 e 13 episódios as suas séries originais. A 1ª temporada foram 10 episódios. Alguns episódios foram longos e outros curtos como os dois últimos. Uma temporada com oito capítulos seria o mais adequado.  

ótima direção de Arte e efeitos visuais: Vista panorâmica da 
Umbrella Academy, com cada um no seu canto,
 numa tomada digna de Wes Anderson.

Os ótimos valores de produção, recriam com precisão a Umbrella Academy no desenho de produção (Mark Steel e Mark Worthington) e na direção de arte, nos figurinos (Christopher Hargadon), nos cuidados da ângulação da fotografia (Neville Kid e Craig Wrobleski), revelam grande apreço pelos quadrinhos e enorme cuidado em todos os aspectos técnicos (prestem atenção nas geniais cenas de abertura apresentando o logo da série),como no personagem Pogo (Adam Godley) o mordomo chimpanzé geneticamente alterado (num ótimo trabalho de CGI e captura de performance da Weta Digital) digno da atual cinesérie Planeta dos Macacos.


Em flashbacks vemos o treinamento dos jovens, que 
só recebem afeto da parte de Claire, a "mãe"-robô...

Um dos componentes principais da série também é a trilha sonora de Jeff Russo, que incorpora os acordes de O Fantasma da Ópera e incorpora sem economizar nos direitos de reprodução das músicas embalam cenas de luta, fuga e ação, tornando-se parte essencial na composição dos episódios. A trilha da primeira temporada conta com Queen, Noel Gallagher, Sex Pistols, Radiohead, The Doors e (obviamente) My Chemical Romance, e uma linda versão de Never Tear Us Apart, do INXS, traduzindo o caos e diversão da série e o sentimento dos personagens. A sequência musical do primeiro episódio é um lindo momento de escapismo dos irmãos onde cada um se conecta ao seu jeito.

Número Cinco no escritório da "Comissão". A influência da 
ficção científica dos anos 1950 é grande.

Com The Umbrella Academy, a Netflix mostra que há ótimos quadrinhos para adaptar que não sejam Marvel ou DC. Quem conhece a obra original, irá se deliciar como a série captou as cores, o visual e a narrativa numa abordagem única e diversificada, ainda aproveitando para falar de situações abusivas, traumas, relações familiares, e heroísmo de uma forma pouco vista ao longo de tantos títulos já lançados,mas com um senso de humor vigoroso, remando contra a maré destes tempos em que heróis ganham roupagens realistas e sombrias, resultando uma série divertida, sem medo de ser extravagante e que assim, traça a sua própria identidade. A espera agora, fica por uma segunda temporada que possa sanar algumas falhas, entre elas nos mostrar mais do passado destes personagens…ou, mostrando os mesmos em situações que exija mais dos seus poderes, salvando mais uma vez o mundo, afinal é para isso que os super-heróis servem... 
  
1,2,3,4,5,7... Cadê o 6??? Morreu...

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