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Resenha: Krypton – 1ª & 2ª Temporada



Raízes alienígenas

 

por Alexandre César


Série do Sci-Fi Channel tinha potencial não atingido

 


O desenho de produção e a direção de arte eram um 

dos trunfos da série, com soluções criativas...

 

Produzida pelo SyFy Channel e seguindo a linha de Gotham que acompanhou a juventude de Bruce Wayne antes de tornar-se o Batman, Krypton veio com a proposta de ser mais um prelúdio para a história de um herói que já conhecido - como ocorre, por exemplo, em Han Solo: Uma História Star Wars (2018, de Ron Howard). A série conta a jornada de Seg-El , avô do nosso conhecido Superman, em sua tentativa de salvar Krypton do ameaçador vilão chamado Brainiac. Em seus dez episódios a série provou ter força narrativa, não se preocupando apenas em contar a história dos antepassados do Superman. Ela mostra bons personagens vivendo em uma sociedade rachada e frágil por conta de um governo fraco e dominado pelos fundamentalistas religiosos. Estamos em período após uma guerra civil, na qual se proibiu a exploração do espaço - algo do que a Casa de El sempre foi partidária.


Val-El (Ian McElhinney, de capa) bate de frente com 
Daron-Vex (Elliot Cowan) a "iminência parda" do governo...


A série foi descontinuada após duas temporadas. Apesar dos esforços do produtor Cameron Welsh de prosseguir com a série em outros canais, até agora nenhum canal se interessou em dar continuidade à trama.

Primeira temporada (2018) :


Val-El apesar de seu aspecto indefeso, é cheio de recursos...

Logo no primeiro episódio vemos o confronto “religião dogmática x ciência” com a condenação à morte de Val-El (Ian McElhinney, o Obi-Wan-Kenobi” da série), avô do verdadeiro protagonista da série, que desafiou o governo da cidade de Kandor e os sacerdotes da Voz de Rao. Ao adicionar para nós novas informações sobre a organização social e política de Krypton, vemos que o mundo que será destruído no futuro já se encontrava numa situação-limite. 


Muitos espaços arquitetônicos, apesar da tecnologia, tem 
aspecto antigo, remontando à arenas, templos e castelos
 medievais e elementos conhecidos como as superfícies
 inclinadas dos filmes de Christopher Reeve...

Dez anos mais tarde, o neto daquele condenado, Seg-El (Cameron Cuffe, razoável no início, mas melhora com o tempo) salva Daron-Vex (Elliot Cowan), o magistrado chefe de Kandor e defensor da oligarquia Kryptoniada, de um atentado do Zero Negro, uma organização dissidente. Como recompensa, Seg é “adotado” pela casa de Vex (a casa El havia caído em desgraça com a condenação de Val-El, impedindo seus membros de usar o seu brasão) e ganha a filha do magistrado Nyssa Vex (Wallis Day, ótima) como futura esposa numa cerimônia arranjada. Nyssa tem muito mais presença em tela do que o protagonista, sendo astuta, ardilosa, maquiavélica e interessante pela sua dualidade. Ela sempre joga a seu favor, com atitudes imprevisíveis e intrigantes dignas de Game of Thrones.


Casal improvável: Seg-El (Cameron Cuffe), o rebelde
 neto de um dissidente e Lyta Zod (Georgina Campbel),
 a filha da chefe da guarda...

Seg mantém o arranjo com o objetivo de futuramente reabilitar a sua própria casa e vingar-se de Daron, que havia condenado o seu avô à morte. Em segredo ele mantém um romance clandestino com a cadete Lyta Zod (Georgina Campbell), membro da Casa de Zod. Por causa desse relacionamento, Lyta tem sérios atritos com sua mãe Alura (Ann Ogbomo), Primus do Grêmio Militar Kryptoniano e fiel ao legado de suas tradições. 


Nyssa Vex (Wallis Day): Se existe um personagem que faz 
valer a pena assistir a série, é ela, roubando a cena
 do casal principal muitas vezes!

 Embora tenham desenvolvido um bom arco no início, Lyta rapidamente se torna uma personagem cansativa e desinteressante nos últimos episódios desta temporada. Neste período surgem personagens pouco aproveitados , como Adam Strange (Shaun Sipos), Kem (Rasmus Hardiker) - amigo de Seg das ruas de Kandor - e Dev-Em (Aaron Pierre), cadete do Grêmio Militar e amigo de longa data de Lyta (por quem é secretamente apaixonado). Quem tem destaque é Rhom (Alexis Raben), uma mãe solteira kandoriana, e sua filhinha Ona (Tiper Seifert-Cleveland). Ambas são bem desenvolvidas por serem personagens simples e apenas necessárias para guiar a narrativa e produzir o impacto na conclusão de seus arcos.


Arranjo: Seg cai nas graças de Daron-Vex, e é "adotado" 
na casa deste, virando consorte de Nyssa, sua filha...
O relacionamento pai-e-filha não impedem a ambos
 de saberem lutar entre si quando necesssário...

Mais adiante, Seg descobre por meio de seus pais Ter-El (Rupert Graves) e Charys-El (Paula Malcomson) que seu avô lhe deixou uma chave que dá acesso ao seu laboratório secreto: a Fortaleza da Solidão. Ela contém todo o legado científico e um holograma com as memórias de seu avô que ajuda Seg a acessar um portal para a Zona Fantasma, para onde secretamente Val-El havia se transportado no momento da sua execução, simulando a própria morte. Adepto da exploração espacial, Val-El descobriu uma grande ameaça a Krypton: Brainiac (Blake Ritson, em boa performance que, sem a maquiagem, faz o papel do sumo sacerdote da Voz de Rao).  


Obscurantismo religioso: A "Voz de Rao" (Blake Ritson) o 
teocrata que domina o governo e a população de Kandor...

O vilão aparece pouco e quase não entra em ação, mas, quando age, não deixa dúvidas do perigo que significa - embora não tenha dado 100% do seu potencial (até porque, se isso acontecesse nenhum personagem seria capaz de detê-lo...). Um grande mérito para esta performance está na fotografia de Christopher Baffa, James Mather e Simon Dennis, que retratam Brainiac como um vilão ameaçador, destacando sua imponência em meio ao caos reinante. Doomsday (Apocalypse nos quadrinhos e animações) fez uma participação interessante, desenvolvendo sua pro´ria mitologia. Destaca-se a fidelidade do visual dos dois personagens, atestando a competência da equipe de maquiagem de Clare Ramsey e Charlie Bluette e da computação gráfica e animação da Industrial Light and Magic, Ghost VFX, Rodeo FX e Important Looking Pirates (ILPvfx).

Dupla dinâmica: Adam Stange (Shaun Sipos) e 
Seg-El na Fortaleza da Solidão secreta de seu avô...

A série conseguiu desenvolver a mitologia da Casa de Zod e explorou as principais características do que é ser um membro quela casa. O roteiro tomou uma liberdade poética interessante que proporcionou momentos tensos, emocionantes e repletos de ação, potencializados com o surgimento do próprio General Zod (Colin Salmon, ótimo). O personagem, aliás, faz jus a tudo que os fãs conhecem e sabem sobre ele. Este certamente vibraram ao ver os dois antagonistas unirem forças contra um inimigo maior.  

Amigo de Fé e Irmão Camarada: Kem (Rasmus Hardiker)
 e Seg são "parças" de longa data nas ruelas de Kandor...

Como nada é perfeito, devemos observar algumas decisões que a série toma para que eventos seguintes já bem estabelecidos no universo DC aconteçam. Isso prejudica a trama, fazendo-a tomar caminhos mais complexos do que o necessário - às vezes acelerando, às vezes pisando no freio do desenrolar dos acontecimentos -, prejudicando o foco do roteiro, principalmente no que se refere a viagem no tempo.  

 
Heráldica Kryptoniana: Brasão híbrido da união
 das casas de El (de Seg) e de Zod (de Lyta)...
A ótima fotografia usa de várias influências,
 indo do expressionismo alemão...

... ao naturalismo, usando filtros de cor ou, controlando o 
contraste para realçar as texturas e detalhes dos cenários,
 fazendo o barato parecer caro...





Os figurinos de Bojana Nikitovic e Varvara Avdyushko são eficientes. O desenho de produção de Ondrej Nekvasil e a direção de arte conseguiram criar ambientes interessantíssimos, mesclando brutalismo, expressionismo e o high-tech de forma sutil e econômica. A fotografia se sai bem em caracterizar seus núcleos pelo uso de cores em certos episódios, resultando em um visual cuidadoso que destaca o vermelho e o amarelo, além de conseguir uma atmosfera soturna quando mostra a cidade de Kandor. Isso dá à série uma bela identidade visual de acordo com os limites do orçamento, coisa que a música de Pinar Toprak (Capitã Marvel) sublinha, apesar de não ser uma trilha marcante.

Inocência ultrajada: a meiga Ona (Tiper Seifert-Cleveland)
 é adotada pelo clero da "Voz de Rao" com objetivos
 políticos e até, criminosos...

No cômputo final da temporada fica interessante ver toda essa questão política sendo desenvolvida e como as reviravoltas aproximam a série da história que conhecemos e da qual nos importamos apenas devido ao seu resultado (o nascimento de Kal-El e sua vinda para a Terra). O gancho final da temporada, afastando o protagonista e dando a Zod a liderança, funciona satisfatoriamente no estabelecimento de um Elseworld paralelo à mitologia oficial.

Dois inimigos em um: Infectado por Brainiac, a "Voz de Rao"
 começa a por seus planos em andamento...


Segunda temporada (2019):


Família: O General Zod (Colin Salmon) vem do futuro e
 revela um grau inesperado de parentesco com Seg-El...

 Nesta temporada, a relação entre protagonistas e vilões fica mais aprofundada neste universo ampliado. A principal atração da série passa a ser os clássicos vilões do Homem de Aço apresentados na primeira temporada: Zod, Brainiac e Doomsday. Após o desaparecimento de Brainiac, Zod ganhou mais espaço como principal antagonista da série, apesar do roteiro não dar a devida valorização que o personagem e seu intérprete mereciam. Por outro lado, Brainiac mostrou que, mesmo agindo através de Seg-El é um antagonista de peso, dano bastante trabalho e sendo o responsável pelo gancho principal para aquela que deveria ser a terceira e derradeira temporada...

Terceiro Estado: Os "Rankless", setor da base da
 pirâmide social, onde Seg-El passou a maior parte de sua
 juventude, vive sob intervenção policial...

 Doomsday ganha uma história de origem kryptoniana. No episódio 7 vemos, séculos atrás, o seu surgimento como um voluntário para experimentos de guerra. Nos é apresentado seu passado e histórico familiar e observamos a sua transformação naquele que, no futuro, será um dos maiores antagonistas do Superman.

Alura Zod (Ann Ogbomo) resgata a sua difícil
 relação com sua filha Lyta...
Brainiac, quando mostra a que veio, não deixa 
dúvidas sobre quem é o perigo...

Há varias tentativas de agregar valor ao seriado adicionando mais elementos e rostos conhecidos dos fãs dos quadrinhos. O mais estranho deles é a presença de Lobo (Emmert J Scanlan). Ele participa do segundo episódio perseguindo Seg-Ele Adam Strange em uma trama à parte, gerando poucas repercussões no futuro, e com com pouca utilidade para o arco narrativo em desenvolvimento. Ficou a impressão de que o SyFy Chanel não quis incluir o insano personagem efetivamente na história, fazendo apenas um teste, inclusive para uma alardeada possível produção solo - que, pela péssima repercussão, não foi adiante...

Jax-Ur (Hannah Waddingham) é um personagem ativa
 nas tramas políticas da série, conhecendo detalhes
 da origen de Nyssa...
Brainiac, apesarde não estar pleno, tem uma 
presença marcante e intimidadora...

As personagens femininas da série também tiveram bom espaço nessa temporada. A aparente morte de Lyta-Zod (Georgina Campbell) foi uma grande reviravolta no meio da temporada e poderia ter sido um bom final para uma personagem que em pouco tempo se tornou desgastada, algo que não ocorreu com Alura, sua mãe e agora ex- Primus do Grêmio Militar Kryptoniano. Ela abre mão de sua visão militarista, aprendendo a ver o mundo à sua volta em termos menos maniqueístas e compartilhando sua vida de renegada com Dev-Em. Já Nyssa-Vex - talvez a personagem mais forte e promissora da série - continuou a roubar a cena, sendo muito boa a sua química da atriz com Seg-El. É ela que tem um dos melhores ganchos finais na temporada. Teria sido muito interessante acompanhar a jornada pela qual Nyssa ainda teria pela frente.

"Doomsday" tem a sua origem reformulada, dentro do 
contexto da história kryptoniana...
 
"Que qui é isso"? Lobo (Emmert J, Scanlan) tem
 participação sem sentido para a trama...

Para os fãs do Superman, há momentos interessantes e referências que dão um gostinho a mais, como por exemplo, quando Jor-El aparece em um dos episódios, ainda bebê, e recebe o nome da família; quando Adam Strange fala do futuro com o Homem de Aço, ou até mesmo Zod, com sua famosa frase “ - ajoelhe-se perante Zod!”. São acenos para aqueles que acompanham a longo tempo a história do Homem de Aço e gostam da mitologia de seu planeta natal.

Trocas: Ao longo da série, Nyssa, Seg, Kem, Gen.Zod, 
Alura e Lyta formam alianças uns com os outros que pouco
 depois se refazem de outra forma e vice-versa...

Outra referência adicional ao universo do Superman foi a planta parasita Clemência Negra, que surpreendeu a todos ao ser revelada. A planta fez parte de uma arco muito conhecido dos quadrinhos e foi também uma grata surpresa para esta temporada, tendo um papel importante no final de um dos arcos narrativos principais.

Vemos as câmaras de gestação, mostrando a opção
 kryptoniana pela manipulação genética de sua elite...

Além das referências, Krypton também é interessante quando acena para questões políticas, envolvendo tanto lideranças totalitárias, como a de Zod, quanto a união daqueles que se intitulam “a resistência” e tentam abrir os olhos da população para quem realmente é a pessoa que está no comando. Na batalha em Wegtor (uma das luas de Krypton, que ao ser destruída inicia o processo que futuramente levará à reação em cadeia que condenará o planeta...), Jax-Ur (Hannah Waddingham) uma das aliadas da Casa de El toma uma decisão difícil e assume o seu ato. Val-El a destitui por empregar de violência, enquanto as forças de Zod não têm nenhum escrúpulo e não hesita em testar os limites do adversário. Rogue One: Uma História Star Wars (2016, de Gareth Edwards) provou ser válido contar uma boa história de guerra, ainda que fantasiosa, mostrando que guerra é uma coisa naturalmente suja e que cedo ou tarde borra os limites de certo e errado. Isso faz soar hipócrita personagens que declaram que só o inimigo joga sujo, pois eles não sujam as mãos - mas parceiros deles vão lá para fazer o que precisa ser feito. Ora, se fosse aprofundada a questão das decisões difíceis, a temporada poderia agregar muito valor narrativo ao seriado. Mas isso não é aprofundado, surgindo apenas em alguns momentos aqui e ali que são rapidamente ofuscados por uma piada fora de hora ou um efeito especial desnecessário e artificial, na intenção de não “pesar demais o clima” ...

A perda de Wegtor, uma das luas de Krypton, é mostrada
 num momento-chave para a história desse mundo...
 
O CGI de Doomsday é satisfatório para criar um monstro
 intimidatório, cuja presença é marcante, ainda que breve...
 
Krypton se tornou uma grata surpresa, o que nos leva a lamentar a notícia de seu cancelamento antes da sua conclusão. Da forma como ficou, a série termina sua jornada na TV sem seguir o já citado caminho de sucesso de outras produções televisivas da DC Comics, deixando em aberto grandes ganchos para o que viria a ser sua terceira e derradeira temporada: a jornada de Brainiac e do bebê Jor-El na Terra, o surgimento de Darkseid e seus parademônios. A produção não teve o tempo necessário para encerrar a história de forma digna. Resta agora aos fãs torcer para que a DC Universe resgate a série e construa uma terceira e última temporada para este prequel da história do Superman.

O ótimo CGI das paisagens compensa outros 
mais toscos, criando ótimas ambientações...


Esperemos que Rao conceda uma segunda chance ao seriado e Krypton acerte o seu tom, talvez em filmes para o streaming ou até animação, seguindo um caminho mais humano que o jovem Kal-El, o último da Casa de El, aprendeu na Terra, tornando-se assim, o mais humano dos alienígenas.


"E la nave va..."

 


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