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Crítica - Séries: O Justiceiro - 1ᵃ temporada




“GUERRA” é guerra?!?


por Alexandre César 


E Jon Bernthal encontra o papel de sua vida

Origens: Em Kandahar, os irmãos em armas Frank Castle 
(Jon Bernthal) e Billy Russo (Ben Barnes, de touca) 
servem à patria, "para trazer paz ao mundo"...


Frank Castle  era um patriota. Amava o seu país, e como extensão natural a sua família,  tendo jurado defender ambas de seus inimigos, indo parar no Afeganistão, como fuzileiro, e participado de missões especiais e feito coisas indizíveis para segundo os seus superiores, “manter a América segura de seus inimigos”. Findo o seu período no front e retornando à vida civil, tentando esquecer os fantasmas da guerra e o seu contato com o “ lado negro”, a sua família é morta num tiroteio entre gangues, um “efeito colateral” da guerra urbana levando o nosso herói a adotar a identidade de o Justiceiro e expiar seus pecados, combatendo o crime e fazendo justiça com as próprias mãos... Simples, não?


"- Trarei a Paz, nem que tenha de matar a todos os 'Motherfuckers' do mundo!!!"



Seria simples se estivéssemos na década de 70, quando Charles Bronson e Clint Eastwood barbarizavam no cinema como Paul Kershey e Larry Calahan nas cineséries  Desejo de Matar e “Dirty” Harry, as duas, fontes de inspiração do personagem de quadrinhos da nova série Marvel/Netflix  O Justiceiro, onde Jon Bernthal, que já havia interpretado o personagem na segunda temporada de Demolidor, aqui tem o seu vôo solo, constatando que o grande inimigo por trás das mortes de sua família e de muito mais gente... é a própria trindade CIA- Exército Americano – NSA, dentre outros pilares  institucionais dos “valores americanos”.

Aliança entre "homens mortos": Castle une forças ao hacker David 
Lieberman (Ebon Moss-Bachrach) para ferrar com seus antigos chefes.


Na sua cruzada de vingança contra aqueles que tiraram o seu “porto seguro” no mundo, Castle acaba formando (ainda que relutante) uma aliança com o hacker David Lieberman/Micro (Ebon Moss-Bachrach) dado como morto para proteger a esposa Sarah (Jaime Ray Newman) e filhos. A química entre os dois atores é muito boa, criando uma ótima dupla disfuncional. Ambos vão atrás o todo-poderoso William Rawlins (Paul Schulze), escroto à toda prova e mentor das “operações especiais” do grupo de Castle no Afeganistão, envolvido com tráfico de drogas, “queimas de arquivo” e toda sorte de abusos que forças de ocupação costumam praticar em nome da paz e da segurança nacional.

Pela América: O Mal. Schoonover (Clancy Brown) e William
 Rawlins (Paul Schulze) criaram as "Operações Especiais" 
para tudo, menos fazer do mundo um lugar melhor...

A dupla cruzará com as investigações da agente especial Dinah Madani (Amber Rose Revah) de origem árabe, que apura abusos do exército. Ela inicialmente se envolve com um antigo companheiro de unidade de Castle, Billy Russo agora empresário da área de segurança privada (o eterno Príncipe Caspian Bem Barnes, que desde Westworld vem se especializando em personagens ”bonitinhos mas ordinários”) com quem protagoniza cenas quentes. 

Curtis Hoyle (Jason R Moore): Amigo nas horas difíceis de Frank,
 acostumado a lhe fazer curativos e suturas...


Temos ainda no elenco de apoio Sam Stein (Michael Nathanson) parceiro de Madani e seu fiel escudeiro, Curtis Hoyle (Jason R. Moore) ex-fuzileiro amigo de Frank que dirige um grupo de ex-combatentes, que é uma de suas poucas âncoras na sanidade. Diferente das outra séries Marvel/Netflix aqui, o elo de ligação é Karen Page (Deborah Ann Woll) e não a Enfermeira noturna, já que foi ela que demonstrou empatia com o drama de Castle na sua aparição em Demolidor, vendo-o como um ser humano e não um terrorista, interagindo com o ex-fuzileiro desequilibrado de 26 anos Lewis Alcott (Daniel Weber), que envereda pelo caminho dos atentados civis achando que assim consertará o mundo. Pela primeira vez vemos Karen como algo mais do que um bibelô, prova de um melhor conhecimento da personagem da parte dos roteiristas.


A Bela e a Fera: Karen  Page (Deborah Ann Woll) é o elo 
de ligação com o universo das séries Marvel / Netflix.


    Um vez que Frank Castle é o “tren desgovernado” que todos conhecemos, a violência, e o sangue correm soltos, até mesmo por uma questão de fidelidade ao personagem. Afinal não dá para ser o Justiceiro e ser PG-13. Logo, Tiros, facadas, socos, chutes, mordidas e mutilação para todos os gostos. E como Frank Castle sangra... ao longo dos 13 episódios o vemos ser baleado, ferido, torturado, ficando às portas da morte diversas vezes, sangrando bicas, numa via crucis de expiação de culpas, revolta e certa dose de insanidade.


Sam Stein (Michael Nathanson) e Dinah Madani (Amber Rose
 Revah) investigam as ações de Rawlins & seus associados...


   Bernthal mostra ser a encarnação definitiva do personagem, numa interpretação ora visceral, ora minimalista mostrando grande versatilidade, mesmo falando grunhindo, como um Silvester Stallone com dicção e um corte de cabelo que se crescer mais, parecerá com o do Moe de Os Três Patetas. Nunca um personagem tão bidimensional ganhou tanta profundidade.


O ex-fuzileiro Lewis Alcott (Daniel Weber) ao se meter com
 o falso ex-combatente O´Connor (Delaney Williams)
 segue numa espiral decadente....

   Todos personagens tem os seus arcos bem desenvolvidos, apesar de que a série poderia ter um ou dois episódios a menos e funcionaria melhor. Outra coisa é que muitos poderão reclamar que esta série é mais uma série procedural tipo N.C.I.S. com o Justiceiro no meio do que uma série do próprio, mas entendamos que a maior falha na série, é justamente o seu maior mérito. Fazer um personagem bruto  como Frank Castle enxergar que  o sistema que o moldou é justamente o mesmo que tirou de seu alcance os seus entes queridos é uma boa sacada, ainda mais porque no momento atual, personagens como Castle são perfeitos para pessoas e grupos em busca de ícones que  justifiquem atitudes violentas e discriminatórias como espancar mendigos (e grupos étnicos, sexuais ou religiosos) ou até mesmo a legitimar o vigilantismo e a formação de milícias, coisa que as firmas de segurança privada (principalmente as americanas) já o são.

Adiante descobrimos que Billy Russo, agora um empresário do setor de 
segurança e Rawlins, são sócios de empreitadas ilícitas...


  Outra questão é a velha questão do stress traumático dos ex-combatentes, um efeito colateral de toda potência hegemônica. Transformam os homens em máquinas de combate, até o dia em apertam as suas mãos em agradecimento e esperam que eles retornem à vida civil sem problemas. Lewis é a materialização desta visão das coisas.


Logo Frank mostra o que faz melhor, e voam pedaços de 
oponentes para todos os lados...


 No cômputo final podemos dizer que sejam mariners, spetznas, ou qualquer outra denominação de combatente a história é sempre assim: Mandam os indivíduos à guerra, eles “fazem o que têm de fazer” e aos sobreviventes, a dispensa e “a certeza do dever cumprido” como se tirar o indivíduo da guerra fosse a mesma coisa que tirar a guerra do indivíduo. Guerra é algo viciante como bem demonstrou Kathryn Bigelow em Guerra ao Terror (2008) e seja no Oriente Médio, seja no Harlem ou nas comunidades pacificadas, alguns indivíduos estão atrás da sua dose...

No final, Castle ajusta as contas Billy Russo, Rawllins e toda a corja...


Frank Castle tem a dor da sua perda, e o vício de sentir a dor da sua perda, daí a importância de indivíduos como Curtis Hoyle, que o ajuda a encarar seus fantasmas e o vício. 


E nós, talvez tenhamos o vício de vê-lo viciar-se em sua dor. Até a próxima dose, digo, temporada.


" - O chato não é fazer o trabalho, mas ter de limpar a bagunça depois..."


Crítica - Filmes: X-Men: Fênix Negra





É hora de dar adeus, e obrigado...



por Alexandre César 


E o universo mutante deixa a Fox e retorna à Marvel


A encarnação original da Fênix, nos traços de John Byrne...
 Tendo iniciado a sua trajetória na tela grande no já longínquo ano de 2000 sob a batuta de Bryan Singer, os X-Men percorreram um longo e bem sucedido caminho de adaptações genéricas dos famosos mutantes da Marvel, com resultados variados mas sempre assegurando um bom retorno financeiro a 20th Century Fox, que havia arrematado a preço de banana os direitos de filmagem dos personagens mutantes da Casa das Ideias no final dos anos 1990. Com o surgimento da Marvel Studios e suas bem sucedidas fases, a comparação com as suas cineséries foi inevitável, e quando a primeira foi adquirida pela gigante Walt Disney Company, que depois a compraria também, estava decretado o fim desse ciclo, pois agora era inevitável a volta deste núcleo de personagens para o seu lugar de origem, faltando apenas fazer o fechamento do arco narrativo anterior.  


Prof. Charles Xavier (James McAvoy) no "Cérebro". 

O bom professor se revela não tão perfeito...


Escrito e dirigido por Simon Kinberg (roteirista de X-Men: Apocalipse de 2016 e X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido de 2014) X-Men: Fênix Negra (2019) conclui o arco iniciado com X-Men: Primeira Classe (2011) de Matthew Vaughn (que ambientava cada aventura numa década distinta, acrescentando uma dimensão de filme de época às aventuras dos heróis mutantes) sofreu atrasos, refilmagens, e paradas devido à venda do estúdio para a Disney e se não é o final ideal, o filme é o que tem mais cara de episódio de série, e funciona como o encerramento possível para esta encarnação, fechando as portas para que possa surgir a nova formatação via Universo Cinematográfico Marvel, quando os heróis poderão aparecer no juntamente com Deadpool e Quarteto Fantástico.


"Audaciosamente indo, onde nenhum X-Men jamais esteve..."

Ambientado em 1992, Charles Xavier (James McAvoy, revelando uma nova faceta do personagem) está lidando com o fato dos mutantes serem considerados heróis nacionais. Com o orgulhoso com os sorrisos, apertos de mão e homenagens por parte dos humanos que agora lhes são gratos (uma grande novidade para ele), envia sua equipe para perigosas missões, inclinado a fazer de tudo para preservar a imagem pública de seus alunos (como ele diz, “ - Os X-Men estão sempre 'a um dia ruim' de voltarem a ser inimigos”)...


A missão no espaço. Do original dos quadrinhos, só se

 manteve o ônibus espacial, Jean Grey, A entidade e o espaço...,
Mas a primeira tarefa dos X-Men no espaço resgatando o ônibus espacial Endeavour esbarra numa “explosão solar”, na verdade uma entidade cósmica que se funde a Jean Grey (Sophie Turner de Game of Thrones mostrando sutilezas na criação da personagem) que enfrentará uma nova provação, numa espécie de releitura do mito de Ícaro, pois esta entidade lhe acende uma gana malévola e faminta por poder. Pois ao adquirir corporalidade e tomar contato com os sentidos, e a gama de sensações advindas deles, o resultado dessa overdose sensorial é caótica. 

Versões: A Fênix de 2006 (Famke Janssen), uma mulher feita,
 e a de 2019 (Sophie Turner) uma jovem descobrindo a si mesma...

Se o filme faz uma reflexão interessante sobre o papel de Xavier como líder dos X-Men, mostrando-se um mentor vaidoso, controlador e com fome de relações públicas, sem mencionar um grande enganador, coisas de que Mística (Jennifer Lawrence, se despedindo do papel) o acusa, colocando seus motivos em xeque, por outro lado não deixa de ser verdadeiro o que ele diz em sua própria defesa: Ele está desesperado para proteger o status dos X-Men, para não deixá-los ser estigmatizados, mais uma vez, pelo mundo em geral, o que o faz demorar a enxergar que há algo de errado com sua maneira de usar de sua posição e das habilidades de seus pupilos. 
Heróis fora de órbita: Mística (Jennifer Lawrence) e Fera 
(Nicholas Hout) lideram Mercúrio (Evan Peters), Tempestade e
 cia em sua primeira missão no espaço...
Na outra ponta da comunidade mutante, Erik Lehnsherr, o Magneto (Michael Fassbender, sempre dominando o personagem) agora tem a sua comunidade numa pequena ilha ribeirinha (a futura Genosha?) tendo finalmente compreendido que a violência e um sem número de mortes sem sentido não o levarão a lugar nenhum. Os atos de Jean Grey/ Fênix o levarão à velha postura de líder vingativo na primeira metade, batendo de frente com Xavier e Cia. (como sempre) até ver que devem trabalhar juntos para solucionar o problema e superar o inimigo comum (como sempre...).
Erik Lehnsherr, o Magneto (Michael Fassbender) em
 sua ilha ribeirinha (Genosha?) inicialmente auxilia Jean Grey.
Curiosamente, a história da Fênix Negra já havia sido contada em X-Men: O Confronto Final (2006), de Brett Ratner, escrito pelo mesmo Kinberg. Mas tal qual no anterior, a saga cósmica emblemática de Chris Claremont e John Byrne foi completamente remodelada, deixando de lado o clima mais cósmico para voltar à Terra e englobar melhor os personagens... Numa espécie de reboot, sendo uma adaptação até que funciona bem, mantendo-se surpreendentemente fiel no miolo do conceito (só o miolo) contando a história da Fênix, deixando-a como a trama central e não como uma subtrama (como no filme de 2006). Assim, Jean/Fênix é a personagem central, e o filme inteiro é sobre ela, e seus tramas, cabendo encontrar por si mesma a resposta de qual caminho tomar e o que fazer com seus novos poderes. 

Jean Grey e a alienígena Vuk (Jessica Chastain), uma vilã genérica...
Agora, com relação à HQ, que lembremos é uma história cósmica, e infelizmente ela acontece prioritariamente na Terra embora tenha um lado relativamente forte de ficção científica, incluindo uma rápida viagem ao espaço e a primeira aparição de alienígenas na cinesérie, os N´Baris, uma espécie transmorfa (nas HQs, inimiga dos Skrulls...) que é usada porque precisavam usar um vilão que unisse X-men e Magneto contra alguém, mas a vilã Vuk, a líder alienígena, apesar do esforço da ótima Jesssica Chastain (que tira leite de pedra mostrando grande afinco) no fundo é uma vilã esquemática cujo visual emula a Rainha Branca do Clube do Inferno já mostrada em X-Men: Primeira Classe. E na equipe de Magneto vemos mutantes genéricos, que na realidade tem visual de alguns personagens, e aparência de outros, soando estranho já que poderiam aproveitar a pluralidade que vemos na escola de Xavier. Uma pena. 
Momento fan service: A mutante cantora de discoteca 
Alison Blaire, a Cristal (Halston Sage)
Para não dizer que não tem nenhum herói clássico novo, há uma pequena cena onde podemos ver Alison Blaire, a Cristal (Halston Sage de The Orville), a mutante mais estonteante da Marvel, aparece em uma cena usando o traje clássico, com direito a maquiagem e calça pantalona, cantando e usando seus poderes de transformar sons em luz (só faltaram os patins) exibindo seus poderes, mas é uma participação do tipo “piscou, perdeu”... 
O combate no lar de Jean lembra o do filme de 2006.
 Do resto da equipe, podemos destacar Hank McCoy, o Fera (Nicholas Hoult de Tolkien) que também dá duro para tornar crível o seu personagem, tal qual Ororo Munroe/ a Tempestade (Alexandra Shipp, tendo bons momentos), Kurt Wagner/ o Noturno (Kodi Smit-McPhee, abaixo de seu potencial), Mercúrio (Evan Peters, subutilizado) e Scott Summers/ Cíclope (Tye Sheridan, de Jogador Nº1) que se aqui tem uma química baixa com Turner enquanto casal, temos uma curiosa inversão de papéis, pois ele assume o papel de “donzelo em perigo” enquanto a Fênix é a dominante da relação, mas sejamos sinceros: Até Dwayne Johnson (The Rock) fazendo casal com uma mulher com aquele nível de poder acabaria na posição de indefeso em comparação... Aliás em certa altura se questiona porque não mudam o nome da equipe para X-Women, uma vez que em boa parte das situações, são as mulheres que salvam o dia...
Fera, Xavier e Ciclope (Tye Sheridan), o "macho-em-perigo"...
Dos valores de produção, temos o design de produção (Claude Paré), o figurino (Daniel Orlandi), a maquiagem e os efeitos visuais são competentes, mas sem chamarem muito a atenção para si, chegando até a um tom de sobriedade, podemos destacar a bela fotografia de Mauro Fiore (Avatar) e a música de Hans Zimmer (Trilogia Batman de Christopher Nolan) que funciona mas não tem nenhum tema memorável.

Magneto (ao centro) Tempestade (Alexandra Shipp), Fera 
(Nicholas Hout), Noturno (Kodi-Smit McPhee) e dois mutantes "genéricos"...)
 Ao final, vemos que se X-Men: Fênix Negra decepciona na proposta de nos entregar algo grandioso, pelo menos fecha de forma satisfatória o arco dos filhos do átomo sob o teto da Fox, sendo uma boa aventura genérica que não faz feio, desde que você não espere que seja como um dos filmes dos Vingadores. Agora só nos resta esperar a próxima encarnação e torçamos que agora inseridos no Universo Cinematográfico Marvel, os mutantes ressurjam das próprias cinzas de forma mais vistosa do que na versão anterior... tal qual uma Fênix!!!

Mercúrio: "Vou conseguir ter mais uma cena maneira! 
Vou conseguir! Vou... Raios!!!"


Até lá, "Morrer, dormir... e quem sabe sonhar..."


Crítica - Séries: Stranger Things – 3ª Temporada






Invasores de corpos hemorragia nasal

 

por Alexandre César



Série engrena e se prepara para um encerramento futuro


Surge um grande templo do consumo em Hawkinsm cuja

 "bela" fachada esconde coisas sinistras (como todo shopping)...


Anos 80, década dos yuppies* neoliberais, que oficializaram o conceito de que “- Ganância é boa!” **

A turma se divide em grupos e se reúne ao final,

expandindo o numero de integrantes.
Era em que Ronald Reagan e Margareth Tatcher ditavam as regras do ocidente face a União Soviética. Época em que um desconhecido Osama Bin Laden era um ”heróico líder da resistência à invasão soviética no Afeganistão” segundo os assessores de Reagan, e como disse Tatcher: “Nelson Mandela é um terrorista!”. Outros tempos, outro mundo

Prólogo na U.R.S.S.; Os "vermelhos" também pesquisam os portais dimensionais...



Até um tempo atrás esta década era desdenhada pelos seus excessos, desde as ombreiras em blazers texturizados e coloridos, ao Ray-Ban Wayfarer que marca bem os rostos, o gliter nos cabelos ou as malhas de ginástica, agora a década de 80 é incensada como um dos períodos mais gloriosos e fundamentais da cultura POP, pela sua autenticidade inigualável entre as cores neon, os penteados extravagantes e a maquiagem colorida, marcada pelo reinado absoluto do cinema de aventuras de Steven Spielberg e dos clássicos juvenis de John Hughes.

 
As dores do crescimento: Mike Wheeler (Finn Wolfhard)
fala para o sofrido Will Byers (Noah Schnapp); "- Você 
acha que seríamos crianças a vida inteira???"




Duas séries da Netflix surfam no revival desta década: GLOW  (chegando para sua terceira temporada) e aquela que se tornou um dos carros-chefes do serviço de streaming: Stranger Things, que aqui em seu terceiro ano resgatando o que deu certo na primeira temporada e ampliando o seu universo de personagens, além de já preparar terreno para um futuro encerramento, pois todo ciclo que é bom, completo tem um começo, um meio e, um fim.

 

Dustin Henderson (Gaten Matarazzo) após um acampamento tem
 uma recepção à lá "Contatos Imediatos do 3° Grau" (1977).



A cidade de Hawkins, no estado de Indiana (que nada deve para aquelas cidadezinhas do Maine das histórias de Stephen King) no ano de 1985 vive a sua grande novidade: O enorme shopping center, que retrata a maneira pela qual a economia das muitas pequenas cidades mudou nesse período, com o fechamento de vários pequenos negócios, como a loja de Joyce Byers (Winona Ryder), agonizante por causa do novo templo do consumo repleto de grandes marcas, e este shopping, tal qual o de O Despertar dos Mortos (1978) de George Romero é o cenário que esconde ameaças e segredos que a todos ameaçam. 

Leis da atração, só que não: o badboy Billy Hargrove
 (Dacre Montgomery) e a madura e frustrada Nancy Wheeler 
(Cara Buono). Só que havia a moral, os bons costumes 
e... uma fenda dimensional no camnho...
 Nesta temporada, a série começa a focar nos relacionamentos entre os membros do grupo, as prioridades que mudam, as histórias ficam mais madura e diferentes personagens interagem mais uns com os outros, alternando entre o mundano e o sangrento num ritmo ágil e agradável nos primeiros episódios, mas na segunda metade a temporada encontra uma forma de juntar tudo numa coisa só e fecha bem, embora não perfeita.




Girl Power: Eleven (Milie Bobby Brown) e Max Mayfield
 (Sadie Sink) agora são grandes amigas e até confidentes...


Nota-se que os hormônios começaram firme a fazer o seu trabalho nos protagonistas da turminha, que passa a deixar as bicicletas e os jogos de tabuleiro de lado para se dediarem ao maior dos desafios: O Amor. Lucas Sinclair (Caleb McLaughin) continua firme o namoro com a skatista Max Mayfield (Sadie Sink); Mike Wheeler (Finn Wolfhard) firma o seu romance com Eleven (Millie Bobby Brown); Dustin Henderson (Gaten Matarazzo) após um mês num acampamento de férias, volta com uma namorada supostamente imaginária (citada mas nunca vista até o final).

Nancy Wheeler (Natalia Dyer) Jonathan Byers 
(Charlie Heaton): Ela bate de frante, ele, tenta se ajustar...
  Will Byers (Noah Schnapp), o mais sofrido do grupo, por ter perdido tanto tempo no Mundo Invertido, precisa lidar com a mudança de interesses de seus amigos que o deixam meio de lado, e que aqui acaba sendo o garoto com um “sentido de aranha”para a chegada dos vilões, que encontram em Billy Hargrove (Dacre Montgomery) o meio irmão bad boy de Max, o hospedeiro ideal para o Destruidor de Mentes e o seu plano de possuir todos os habitantes da cidade. Por contraste, essa rotina intensifica o arco sombrio da trama, que levará a um final bombástico. A mitologia da série é explorada com mais atenção a si mesma, não usando as inúmeras referências como remendos ou saídas fáceis para os personagens em meio aos novos perigos.

Tempos Pré-Internet: Dustin usa esta engenhoca para falar 
com sua namorada (que mora em outra cidade) em um momento crucial...

Justamente ao início da temporada começamos um emaranhado de tramas e propostas que reúnem a crença dos Duffer de que os coletivos são grandiosos, mesmo que seja um coletivo pequeno. Assim temos núcleos que iniciam correndo paralelos entre si, como o de Steve Harrington (Joe Keery) contempla uma vida estagnada ao não ter conseguido ir para a universidade, trabalhando em uma sorveteria no shopping; onde faz dupla com Robin (Maya Hawke) e junto com Dustin e Erika (Priah Ferguson) a petulante irmã caçula de Lucas seguem um rumo paralelo ao dos outros grupos da temporada (que só se encontram na mesma trilha nos episódios finais) e descobrem o segredo do shopping; Eleven ganha voz própria, para o desespero do seu protetor, o chefe Jim Hooper (David Harbour) que ganha mais destaque tentando entender melhor como ser pai novamente ao tentar estabelecer limites no romance de Eleven com Mike enquanto ele mesmo tenta definir sua relação com Joyce, que vê tudo como amizade, não reconhecendo a tensão sexual que corre entre eles.


Guerra Fria: O cientista Alexey (Alec Utgoff) se 
maravilha com o "paraíso" do consumo norte-americano...

Nesta versão teen da guerra dos sexos,Mike e Lucas dividem seus problemas com as garotas, vemos o empoderamento das meninas, e a luta da jovem Nancy Wheeler (Natalia Dyer) contra o sexismo no trabalho e a acomodação de seu namorado Jonathan Byers (Charlie Heaton), Eleven e Max, se aproximam, em meio às discussões envolvendo os seus relacionamentos num sentimento de irmandade. A temporada atribui a essas questões dos personagens não se entenderem certas abordagens acerca do não entendimento do feminino por parte da sociedade (patriarcal), como o arco não desenvolvido envolvendo Karen Wheeler a mãe de Nancy (a ótima Cara Buono) mostrando as perdas e o estrangulamento de uma personalidade que um casamento seguro e estável pode trazer...
 

O "tempo fecha" legal em Hawkins...

As referências aos filmes da época que aparecem em cartaz no cinema do Shopping como Karatê Kid – A Hora da Verdade (1984), Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984), De Volta Para o Futuro (1985), Dia dos Mortos (1985), ou outros elementos, como o novo monstro, que em seu estado menor, lembra A Bolha Assassina (1958, que foi refilmado em 1988) ou sua abordagem à la Os Invasores de Corpos (aqui, a refilmagem de 1978) e à clara inspiração visual no terror gore de David Cronenberg (Scanners de 1981, Videodrome de 1983, A Mosca de 1986), nas cenas grotescas de pessoas dissolvendo-se numa única massa de carne para compor sua forma final do monstro, que remete a O Enigma de Outro Mundo (1982) de John Carpenter, sendo o clássico citado nominalmente e, as ameaças desta temporada se remetem imensamente à Coisa do longa-metragem, misturadas com antagonistas que comportam-se tal qual mortos-vivos... Há uma maturidade perceptível na temporada, não num sentido temático, mas na maneira como a própria série enxerga a si mesma e a suas propostas narrativas.

O monstro da vez: Melequeira digna da fase "gore" 
de David Cronenberg e de John Carpenter...
 E temos os russos, ou melhor, os soviéticos. Nada mais clichê do que vilões russos comunistas nos filmes e séries americanos, principalmente, do período, que aqui estão tentando reabrir o portal para o Mundo Invertido. Assim, como citações à Guerra Fria temos o cientista Alexey (Alec Utgoff) que se encanta com o sonho de consumo americano, fazendo “dobradinha” com o paranóico Murray Bauman (Bret Gelman), remetendo levemente ao personagem de Robin Williams em Moscou em Nova York (1984) de Paul Mazursky, o laboratório embaixo do Shopping que remete aos cenários da fase oitentista de James Bond (com o inesquecível Roger Moore) o spetnaz Grigori (Andrey Ivchenko), o perfeito estereótipo de soldado indestrutível que se parece, fala e comporta-se como Arnold Schwarzenegger em O Exterminador do Futuro (1984) de James Cameron e até os soldados russos que remetem aos filmes da Cannon Group Corporation como Invasão dos Estados Unidos (1985) de Joseph Zito, das cineséries Bradock ou os filmes Rambo II & III, sem contar que Hooper com seu bigodão e camisa havaiana parece uma versão desajeitada e com sobrepeso de Magnum (outra referência oitentista).

O prefeito de "Tubarão" (1975) é um perfeito 
antepassado do prefeito (Cary Elves) de Hawkins...
 
 Mas, enquanto a motivação dos cientistas do Laboratório de Hawking para as pesquisas com outras dimensões das temporadas anteriores era clara, nunca sabemos realmente o que os soviéticos querem. Dessa maneira, enquanto de um lado amarra-se um tema a outro, o mesmo não acontece aqui com as constantes abordagens ao capitalismo, ao comunismo e ao embate classicista entre Estados Unidos e União Soviética, e não se entende qual o ganho que o “Império do Mal” teria reabrindo um portal que levaria ao fim de toda a humanidade.


Jim Hooper (David Harbour) apanha muito mas 
mostra porque é querido por tantos...

Há espaço para críticas internas, relacionadas principalmente ao shopping e à corrupção política, exemplificada no prefeito Larry Kline (Cary Elves), mas nada é realmente profundo, pois os Irmãos Duffer não estão pensando em corroborar quaisquer pensamentos mais críticos sobre o mundo, a sociedade e os próprios Estados Unidos. A impressão, já que não há explicação é que resolveram colocar os soviéticos por uma questão de comodidade narrativa e assim, aproveitar essa vybe mundial da guinada à direita, insensando o “Fantasma do Comunismo” como um perigo real para justificar a implantação do neoliberalismo como solução para todos os problemas...

Indestrutível: Grigori (Andrey Ivchenko) o "Spetnaz do Futuro"

As referências da cultura POP da época caracterizam e preparam o mood de todo o ciclo, sendo a série uma jukebox visual, com uma trilha sonora que vai de "Wake Me Up Before You Go-Go" da banda Wham!, "Material Girl" da Madonna, além de músicas de The Cars, The Poynter Sisters, Foreigner, Peter Gabriel que, cheias de simbolismos, tendo sido escolhidas a dedo (e justamente por isso) proporcionando todas as sensações necessárias em cada momento chave da produção, conduzindo a trama de maneira progressiva e envolvente, numa breve jornada diante dos nossos olhos. Destaque para o clipe musical de “Neverending story”, tema de A História Sem Fim (1984) protagonizado por um dos casais fofos da série. Antológico...

Gancho: Os comunas ainda protagonizam uma cena pós-crédito

Embora Eleven passe quase metade dos episódios vendada, à procura de seus inimigos (e haja hemorraga nasal!!!) e grande parte dos combates se resolvem com ela usando seus poderes no último segundo, mas nem tanto assim,... a temporada se despede de forma emocionante abrindo novas frentes e preparando o terreno para o seu final futuro, tendo uma uma releitura do hino ”Heroes, de David Bowie, numa cena pós-créditos que cria um gancho, e uma esperança quanto a um personagem querido por todos...

"-Vamos lá Eleven, Teremos ou não só mais uma temporada?"

*: Derivação da sigla "YUP", expressão inglesa que significa "Young Urban Professional", ou seja, Jovem Profissional Urbano. É usado para referir-se a jovens profissionais entre os 20 e os 40 anos de idade, geralmente de situação financeira intermediária entre a classe média e a classe alta. (Wikipédia)

**: fala do personagem Gordon Gekho (Michael Douglas) em Wall Street: Poder e Cobiça (1987) de Oliver Stone
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