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Crítica - Séries: Stranger Things – 3ª Temporada






Invasores de corpos hemorragia nasal

 

por Alexandre César



Série engrena e se prepara para um encerramento futuro


Surge um grande templo do consumo em Hawkinsm cuja

 "bela" fachada esconde coisas sinistras (como todo shopping)...


Anos 80, década dos yuppies* neoliberais, que oficializaram o conceito de que “- Ganância é boa!” **

A turma se divide em grupos e se reúne ao final,

expandindo o numero de integrantes.
Era em que Ronald Reagan e Margareth Tatcher ditavam as regras do ocidente face a União Soviética. Época em que um desconhecido Osama Bin Laden era um ”heróico líder da resistência à invasão soviética no Afeganistão” segundo os assessores de Reagan, e como disse Tatcher: “Nelson Mandela é um terrorista!”. Outros tempos, outro mundo

Prólogo na U.R.S.S.; Os "vermelhos" também pesquisam os portais dimensionais...



Até um tempo atrás esta década era desdenhada pelos seus excessos, desde as ombreiras em blazers texturizados e coloridos, ao Ray-Ban Wayfarer que marca bem os rostos, o gliter nos cabelos ou as malhas de ginástica, agora a década de 80 é incensada como um dos períodos mais gloriosos e fundamentais da cultura POP, pela sua autenticidade inigualável entre as cores neon, os penteados extravagantes e a maquiagem colorida, marcada pelo reinado absoluto do cinema de aventuras de Steven Spielberg e dos clássicos juvenis de John Hughes.

 
As dores do crescimento: Mike Wheeler (Finn Wolfhard)
fala para o sofrido Will Byers (Noah Schnapp); "- Você 
acha que seríamos crianças a vida inteira???"




Duas séries da Netflix surfam no revival desta década: GLOW  (chegando para sua terceira temporada) e aquela que se tornou um dos carros-chefes do serviço de streaming: Stranger Things, que aqui em seu terceiro ano resgatando o que deu certo na primeira temporada e ampliando o seu universo de personagens, além de já preparar terreno para um futuro encerramento, pois todo ciclo que é bom, completo tem um começo, um meio e, um fim.

 

Dustin Henderson (Gaten Matarazzo) após um acampamento tem
 uma recepção à lá "Contatos Imediatos do 3° Grau" (1977).



A cidade de Hawkins, no estado de Indiana (que nada deve para aquelas cidadezinhas do Maine das histórias de Stephen King) no ano de 1985 vive a sua grande novidade: O enorme shopping center, que retrata a maneira pela qual a economia das muitas pequenas cidades mudou nesse período, com o fechamento de vários pequenos negócios, como a loja de Joyce Byers (Winona Ryder), agonizante por causa do novo templo do consumo repleto de grandes marcas, e este shopping, tal qual o de O Despertar dos Mortos (1978) de George Romero é o cenário que esconde ameaças e segredos que a todos ameaçam. 

Leis da atração, só que não: o badboy Billy Hargrove
 (Dacre Montgomery) e a madura e frustrada Nancy Wheeler 
(Cara Buono). Só que havia a moral, os bons costumes 
e... uma fenda dimensional no camnho...
 Nesta temporada, a série começa a focar nos relacionamentos entre os membros do grupo, as prioridades que mudam, as histórias ficam mais madura e diferentes personagens interagem mais uns com os outros, alternando entre o mundano e o sangrento num ritmo ágil e agradável nos primeiros episódios, mas na segunda metade a temporada encontra uma forma de juntar tudo numa coisa só e fecha bem, embora não perfeita.




Girl Power: Eleven (Milie Bobby Brown) e Max Mayfield
 (Sadie Sink) agora são grandes amigas e até confidentes...


Nota-se que os hormônios começaram firme a fazer o seu trabalho nos protagonistas da turminha, que passa a deixar as bicicletas e os jogos de tabuleiro de lado para se dediarem ao maior dos desafios: O Amor. Lucas Sinclair (Caleb McLaughin) continua firme o namoro com a skatista Max Mayfield (Sadie Sink); Mike Wheeler (Finn Wolfhard) firma o seu romance com Eleven (Millie Bobby Brown); Dustin Henderson (Gaten Matarazzo) após um mês num acampamento de férias, volta com uma namorada supostamente imaginária (citada mas nunca vista até o final).

Nancy Wheeler (Natalia Dyer) Jonathan Byers 
(Charlie Heaton): Ela bate de frante, ele, tenta se ajustar...
  Will Byers (Noah Schnapp), o mais sofrido do grupo, por ter perdido tanto tempo no Mundo Invertido, precisa lidar com a mudança de interesses de seus amigos que o deixam meio de lado, e que aqui acaba sendo o garoto com um “sentido de aranha”para a chegada dos vilões, que encontram em Billy Hargrove (Dacre Montgomery) o meio irmão bad boy de Max, o hospedeiro ideal para o Destruidor de Mentes e o seu plano de possuir todos os habitantes da cidade. Por contraste, essa rotina intensifica o arco sombrio da trama, que levará a um final bombástico. A mitologia da série é explorada com mais atenção a si mesma, não usando as inúmeras referências como remendos ou saídas fáceis para os personagens em meio aos novos perigos.

Tempos Pré-Internet: Dustin usa esta engenhoca para falar 
com sua namorada (que mora em outra cidade) em um momento crucial...

Justamente ao início da temporada começamos um emaranhado de tramas e propostas que reúnem a crença dos Duffer de que os coletivos são grandiosos, mesmo que seja um coletivo pequeno. Assim temos núcleos que iniciam correndo paralelos entre si, como o de Steve Harrington (Joe Keery) contempla uma vida estagnada ao não ter conseguido ir para a universidade, trabalhando em uma sorveteria no shopping; onde faz dupla com Robin (Maya Hawke) e junto com Dustin e Erika (Priah Ferguson) a petulante irmã caçula de Lucas seguem um rumo paralelo ao dos outros grupos da temporada (que só se encontram na mesma trilha nos episódios finais) e descobrem o segredo do shopping; Eleven ganha voz própria, para o desespero do seu protetor, o chefe Jim Hooper (David Harbour) que ganha mais destaque tentando entender melhor como ser pai novamente ao tentar estabelecer limites no romance de Eleven com Mike enquanto ele mesmo tenta definir sua relação com Joyce, que vê tudo como amizade, não reconhecendo a tensão sexual que corre entre eles.


Guerra Fria: O cientista Alexey (Alec Utgoff) se 
maravilha com o "paraíso" do consumo norte-americano...

Nesta versão teen da guerra dos sexos,Mike e Lucas dividem seus problemas com as garotas, vemos o empoderamento das meninas, e a luta da jovem Nancy Wheeler (Natalia Dyer) contra o sexismo no trabalho e a acomodação de seu namorado Jonathan Byers (Charlie Heaton), Eleven e Max, se aproximam, em meio às discussões envolvendo os seus relacionamentos num sentimento de irmandade. A temporada atribui a essas questões dos personagens não se entenderem certas abordagens acerca do não entendimento do feminino por parte da sociedade (patriarcal), como o arco não desenvolvido envolvendo Karen Wheeler a mãe de Nancy (a ótima Cara Buono) mostrando as perdas e o estrangulamento de uma personalidade que um casamento seguro e estável pode trazer...
 

O "tempo fecha" legal em Hawkins...

As referências aos filmes da época que aparecem em cartaz no cinema do Shopping como Karatê Kid – A Hora da Verdade (1984), Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984), De Volta Para o Futuro (1985), Dia dos Mortos (1985), ou outros elementos, como o novo monstro, que em seu estado menor, lembra A Bolha Assassina (1958, que foi refilmado em 1988) ou sua abordagem à la Os Invasores de Corpos (aqui, a refilmagem de 1978) e à clara inspiração visual no terror gore de David Cronenberg (Scanners de 1981, Videodrome de 1983, A Mosca de 1986), nas cenas grotescas de pessoas dissolvendo-se numa única massa de carne para compor sua forma final do monstro, que remete a O Enigma de Outro Mundo (1982) de John Carpenter, sendo o clássico citado nominalmente e, as ameaças desta temporada se remetem imensamente à Coisa do longa-metragem, misturadas com antagonistas que comportam-se tal qual mortos-vivos... Há uma maturidade perceptível na temporada, não num sentido temático, mas na maneira como a própria série enxerga a si mesma e a suas propostas narrativas.

O monstro da vez: Melequeira digna da fase "gore" 
de David Cronenberg e de John Carpenter...
 E temos os russos, ou melhor, os soviéticos. Nada mais clichê do que vilões russos comunistas nos filmes e séries americanos, principalmente, do período, que aqui estão tentando reabrir o portal para o Mundo Invertido. Assim, como citações à Guerra Fria temos o cientista Alexey (Alec Utgoff) que se encanta com o sonho de consumo americano, fazendo “dobradinha” com o paranóico Murray Bauman (Bret Gelman), remetendo levemente ao personagem de Robin Williams em Moscou em Nova York (1984) de Paul Mazursky, o laboratório embaixo do Shopping que remete aos cenários da fase oitentista de James Bond (com o inesquecível Roger Moore) o spetnaz Grigori (Andrey Ivchenko), o perfeito estereótipo de soldado indestrutível que se parece, fala e comporta-se como Arnold Schwarzenegger em O Exterminador do Futuro (1984) de James Cameron e até os soldados russos que remetem aos filmes da Cannon Group Corporation como Invasão dos Estados Unidos (1985) de Joseph Zito, das cineséries Bradock ou os filmes Rambo II & III, sem contar que Hooper com seu bigodão e camisa havaiana parece uma versão desajeitada e com sobrepeso de Magnum (outra referência oitentista).

O prefeito de "Tubarão" (1975) é um perfeito 
antepassado do prefeito (Cary Elves) de Hawkins...
 
 Mas, enquanto a motivação dos cientistas do Laboratório de Hawking para as pesquisas com outras dimensões das temporadas anteriores era clara, nunca sabemos realmente o que os soviéticos querem. Dessa maneira, enquanto de um lado amarra-se um tema a outro, o mesmo não acontece aqui com as constantes abordagens ao capitalismo, ao comunismo e ao embate classicista entre Estados Unidos e União Soviética, e não se entende qual o ganho que o “Império do Mal” teria reabrindo um portal que levaria ao fim de toda a humanidade.


Jim Hooper (David Harbour) apanha muito mas 
mostra porque é querido por tantos...

Há espaço para críticas internas, relacionadas principalmente ao shopping e à corrupção política, exemplificada no prefeito Larry Kline (Cary Elves), mas nada é realmente profundo, pois os Irmãos Duffer não estão pensando em corroborar quaisquer pensamentos mais críticos sobre o mundo, a sociedade e os próprios Estados Unidos. A impressão, já que não há explicação é que resolveram colocar os soviéticos por uma questão de comodidade narrativa e assim, aproveitar essa vybe mundial da guinada à direita, insensando o “Fantasma do Comunismo” como um perigo real para justificar a implantação do neoliberalismo como solução para todos os problemas...

Indestrutível: Grigori (Andrey Ivchenko) o "Spetnaz do Futuro"

As referências da cultura POP da época caracterizam e preparam o mood de todo o ciclo, sendo a série uma jukebox visual, com uma trilha sonora que vai de "Wake Me Up Before You Go-Go" da banda Wham!, "Material Girl" da Madonna, além de músicas de The Cars, The Poynter Sisters, Foreigner, Peter Gabriel que, cheias de simbolismos, tendo sido escolhidas a dedo (e justamente por isso) proporcionando todas as sensações necessárias em cada momento chave da produção, conduzindo a trama de maneira progressiva e envolvente, numa breve jornada diante dos nossos olhos. Destaque para o clipe musical de “Neverending story”, tema de A História Sem Fim (1984) protagonizado por um dos casais fofos da série. Antológico...

Gancho: Os comunas ainda protagonizam uma cena pós-crédito

Embora Eleven passe quase metade dos episódios vendada, à procura de seus inimigos (e haja hemorraga nasal!!!) e grande parte dos combates se resolvem com ela usando seus poderes no último segundo, mas nem tanto assim,... a temporada se despede de forma emocionante abrindo novas frentes e preparando o terreno para o seu final futuro, tendo uma uma releitura do hino ”Heroes, de David Bowie, numa cena pós-créditos que cria um gancho, e uma esperança quanto a um personagem querido por todos...

"-Vamos lá Eleven, Teremos ou não só mais uma temporada?"

*: Derivação da sigla "YUP", expressão inglesa que significa "Young Urban Professional", ou seja, Jovem Profissional Urbano. É usado para referir-se a jovens profissionais entre os 20 e os 40 anos de idade, geralmente de situação financeira intermediária entre a classe média e a classe alta. (Wikipédia)

**: fala do personagem Gordon Gekho (Michael Douglas) em Wall Street: Poder e Cobiça (1987) de Oliver Stone
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